sábado, 19 de junho de 2010

A PASSAGEM DE PREBISCH

A PASSAGEM DE PREBISCH


Raul Prebisch (1900-1986), tucumano além de argentino, a que uma educação européia não retirou a americanidade, representou uma ponte entre a tradição e a modernidade, entre o nacionalismo e a solidariedade internacional. A corrente de interpretação que ele representou surpreendeu e incomodou os saxões que se sentiam proprietários da teoria econômica e aos seus acólitos adoradores do Império que não podiam tolerar a idéia que a única contestação à economia da hegemonia surgisse no quintal político dos Estados Unidos. A CEPAL de Prebisch rompia a ordem não escrita do mundo oficializado da ciência social que se levava a sério os produtos da academia de alguns países europeus e norte-americanos. A CEPAL seria uma divergência ou uma proposta genuinamente nova. As lutas políticas das décadas seguintes mostraram que essa dissidência burguesa tinha a capacidade enfrentar as forças políticas tradicionais apesar de não representar as correntes revolucionárias do continente.
A história de Raul Prebisch não se acaba facilmente. O magnetismo pessoal que ele irradiava sempre fez com que ao seu redor girassem figuras auxiliares atraídas por sua energia, aceitando o ônus de seu temperamento caprichoso, tolerando seu purismo lingüístico e suas críticas mordazes, admitindo que seu poder de síntese o colocava à frente dos seus congêneres. Despertava sentimentos contraditórios na CEPAL que criou. Anibal Pinto, de quem ele gostava, chamava-o de latifundiário intelectual. Benjamin Hopenhayn, que o seguia e de quem ele gostava,criticava sua ambivalência entre técnico e político. Os espanhóis, Paco Giner, Cristobal Lara, José Medina, viam nele um líder continental. Maria da Conceição Tavares, de quem ele não gostava, tornou-se sua admiradora depois que ele morreu. A maior parte dos seus colaboradores tinha medo de sua capacidade inesgotável de dizer a verdade frontalmente.
Prebisch trabalhou para uma América Latina desvencilhada do imperialismo e, ao longo da vida, migrou para posições mais nitidamente socialistas, mas não cruzou a linha que separa a perspectiva burguesa da dos trabalhadores, avançando tanto quanto seria possível para criar condições para reverter a marcha do grande capital.
No segundo semestre de 1970 Prebisch empreendeu o que deveria ser seu maior trabalho, mas que foi interrompido por uma aposentadoria intempestiva e por pressões políticas. Tratava-se de um trabalho que deveria substituir o famoso Estudo da América de 1949 que veiculou sua teoria da relação centro-periferia. Para isso mobilizou vinte economistas e sociólogos, que organizou em dois grupos de dez, em que um grupo deveria produzir textos sintéticos sobre cada país da região e os outros dez deveriam produzir textos que trouxessem as principais contribuições recentes à teoria. A iniciativa revelava o pressuposto de um atraso em relação com a produção científica e ao mesmo tempo uma total disponibilidade para modificar os parâmetros dos documentos anteriores. A impossibilidade de levar a cabo um empreendimento dessa envergadura revelou as enormes divergências ideológicas que tinham se acumulado nesse espaço da burocracia técnica internacional. A CEPAL perdera a primazia na análise e na política do desenvolvimento que já estavam polarizadas entre o avanço de uma direita mobilizada durante a Guerra Fria, uma soclal-democracia incipiente e uma esquerda dividida. Foi um anúncio trágico das sucessivas divisões que marcariam a tentativa de governo socialista de Allende. De fato, comprovou-se que já se tinha fechado o ciclo de um esforço renovador e que os órgãos internacionais tinham pouco a oferecer como apoio aos movimentos nacionais. Uma crítica do Instituto de Economia da Universidade do Uruguai identificava os termos de uma análise de esquerda do problema latino-americano.
Quando aconteceu o enfarte que o vitimou, Prebisch estava em uma assembléia das Nações Unidas. Conseguiu chegar de volta a Santiago, foi à CEPAL apertar a mão dos seus colaboradores, técnicos e pessoal administrativo, e se recolheu à casa do Cajón del Maipo para morrer,

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