sábado, 19 de junho de 2010

A PASSAGEM DE PREBISCH

A PASSAGEM DE PREBISCH


Raul Prebisch (1900-1986), tucumano além de argentino, a que uma educação européia não retirou a americanidade, representou uma ponte entre a tradição e a modernidade, entre o nacionalismo e a solidariedade internacional. A corrente de interpretação que ele representou surpreendeu e incomodou os saxões que se sentiam proprietários da teoria econômica e aos seus acólitos adoradores do Império que não podiam tolerar a idéia que a única contestação à economia da hegemonia surgisse no quintal político dos Estados Unidos. A CEPAL de Prebisch rompia a ordem não escrita do mundo oficializado da ciência social que se levava a sério os produtos da academia de alguns países europeus e norte-americanos. A CEPAL seria uma divergência ou uma proposta genuinamente nova. As lutas políticas das décadas seguintes mostraram que essa dissidência burguesa tinha a capacidade enfrentar as forças políticas tradicionais apesar de não representar as correntes revolucionárias do continente.
A história de Raul Prebisch não se acaba facilmente. O magnetismo pessoal que ele irradiava sempre fez com que ao seu redor girassem figuras auxiliares atraídas por sua energia, aceitando o ônus de seu temperamento caprichoso, tolerando seu purismo lingüístico e suas críticas mordazes, admitindo que seu poder de síntese o colocava à frente dos seus congêneres. Despertava sentimentos contraditórios na CEPAL que criou. Anibal Pinto, de quem ele gostava, chamava-o de latifundiário intelectual. Benjamin Hopenhayn, que o seguia e de quem ele gostava,criticava sua ambivalência entre técnico e político. Os espanhóis, Paco Giner, Cristobal Lara, José Medina, viam nele um líder continental. Maria da Conceição Tavares, de quem ele não gostava, tornou-se sua admiradora depois que ele morreu. A maior parte dos seus colaboradores tinha medo de sua capacidade inesgotável de dizer a verdade frontalmente.
Prebisch trabalhou para uma América Latina desvencilhada do imperialismo e, ao longo da vida, migrou para posições mais nitidamente socialistas, mas não cruzou a linha que separa a perspectiva burguesa da dos trabalhadores, avançando tanto quanto seria possível para criar condições para reverter a marcha do grande capital.
No segundo semestre de 1970 Prebisch empreendeu o que deveria ser seu maior trabalho, mas que foi interrompido por uma aposentadoria intempestiva e por pressões políticas. Tratava-se de um trabalho que deveria substituir o famoso Estudo da América de 1949 que veiculou sua teoria da relação centro-periferia. Para isso mobilizou vinte economistas e sociólogos, que organizou em dois grupos de dez, em que um grupo deveria produzir textos sintéticos sobre cada país da região e os outros dez deveriam produzir textos que trouxessem as principais contribuições recentes à teoria. A iniciativa revelava o pressuposto de um atraso em relação com a produção científica e ao mesmo tempo uma total disponibilidade para modificar os parâmetros dos documentos anteriores. A impossibilidade de levar a cabo um empreendimento dessa envergadura revelou as enormes divergências ideológicas que tinham se acumulado nesse espaço da burocracia técnica internacional. A CEPAL perdera a primazia na análise e na política do desenvolvimento que já estavam polarizadas entre o avanço de uma direita mobilizada durante a Guerra Fria, uma soclal-democracia incipiente e uma esquerda dividida. Foi um anúncio trágico das sucessivas divisões que marcariam a tentativa de governo socialista de Allende. De fato, comprovou-se que já se tinha fechado o ciclo de um esforço renovador e que os órgãos internacionais tinham pouco a oferecer como apoio aos movimentos nacionais. Uma crítica do Instituto de Economia da Universidade do Uruguai identificava os termos de uma análise de esquerda do problema latino-americano.
Quando aconteceu o enfarte que o vitimou, Prebisch estava em uma assembléia das Nações Unidas. Conseguiu chegar de volta a Santiago, foi à CEPAL apertar a mão dos seus colaboradores, técnicos e pessoal administrativo, e se recolheu à casa do Cajón del Maipo para morrer,

segunda-feira, 14 de junho de 2010

CRÔNICAS AMERICANAS 5

Um balcão sobre a barbárie II

A barbárie é um tema recorrente entre nós, é um enigma da América, onde ela aparece como um contrário da brutalidade oficial da civilização européia, ou como uma afirmação de valores tribais americanos. Toda vez que tocamos nesse tema fica a sensação que devemos uma referência honrosa a Cornelios Castoriades, mas não se pode esquecer que a leitura crítica foi posta na mesa por Marx. Não somos bárbaros por não sabermos falar grego, mas por darmos espaço a modos instintivos de ser e de fazer política. Os massacres cometidos pelos europeus e pelos governos americanos arvorados em herdeiros da Europa, tanto norte-americanos como sul-americanos – jamais foram cognominados de bárbaros, Fora ficam o massacre dos yaquis no noroeste do México e dos araucanos no sul do Chile e da Argentina e inúmeros outros eventos de enfrentamento da civilização com os bárbaros. Os massacres cometidos pelos governos autoritários sobre as classes médias urbanas e os trabalhadores rurais nas recentes décadas passadas foram manifestações de barbárie introvertida, porque a maioria dos torturadores era parte desses mesmos grupos sociais. A violência represada e aproveitada pelos grupos de poder acuados está no centro do problema. A polêmica acerca da barbárie está no fundamento da versão americana de civilização, sobre a qual se debruça o conflito entre a renovação do colonialismo e as manifestações de identidade. Um tecido esgarçado mas que se afirma como portador de autonomia e de personalidade cobre os movimentos sociais e os do povoamento. No diálogo latino-americano sobre o binômio civilização e barbárie certamente estão alguns pensadores que delimitaram o campo operatório da análise. Destacam-se Leopoldo Zea e Darcy Ribeiro, com diferentes tratamentos do objeto histórico, diferente corte ideológico, mas que não ligaram o fluxo do pensamento ao da história, tal como fizeram outros, menos abrangentes porém mais reveladores, como Picón Salas e José Luis Romero. Os bárbaros estão livres para serem sinceros e emocionais. Os civilizados são contidos, reprimidos e insuportavelmente racionais. Os bárbaros se dispõem a triunfar ou morrer por ideais, que são artefatos incômodos para os civilizados, que decretaram o fim das ideologias. Na América descobre-se que há várias Américas, várias delas indesejáveis, outras que nos invadem pelos ralos do fanatismo conduzido.

O manuseio da barbárie como categoria diferenciadora da cultura latino-americana, tal como fez Halperin Donghi, fomenta um estilo americano de leitura da história que levanta criticamente suas ascendências burguesas. Nesta leitura o racionalismo aparece como um maneirismo europeu do Iluminismo, assim como o positivismo é um produto importado da França, tanto como o pragmatismo é um cacoete norte-americano. Em economia o positivismo marcou um retrocesso na criatividade da teoria, que ficou nas mãos estéreis dos neoclássicos. Uma visão americana da história não pode ficar presa ao norte-americanismo de Braudel, nem à surpreendente admiração de Gramsci pela América (do norte), mas deve procurar os fios condutores entre a América das civilizações anteriores e a das atuais. A barbárie não é nenhuma virtude, mas simplesmente descreve a irracionalidade do colonialismo. Tratar com ela é um modo de fazer história interna da América Latina.

domingo, 11 de abril de 2010

CRÔNICAS AMERICANAS 4

Um balcão sobre a barbárie

Invocaremos a Sibila, o oráculo de Delfos, as sombras do Hades e em igual importância As Almas dos Santos Vaqueiros e as sombras dos caciques mortos na luta contra os invasores barbudos, assim como os Meninos Heróis que enfrentaram os fuzileiros navais quando eles se revelavam como bandidos saqueadores dos Salões de Montezuma. Invocaremos os camponeses heróis do trabalho anônimo espelhados por Hesíodo antes que por Homero e ao descobrir o heroísmo sombrio de Lautaro e de Condorcanqui estaremos apenas reverenciando os pais fundadores de uma América que foi gestada por americanos. Denunciaremos os assassinatos e as torturas impulsivamente cometidos por colonizadores e friamente praticados por esbirros de ditaduras inomináveis. Pediremos a fúria dos céus para eles, porque os fratricídios foram condenados até pela Bíblia quando menos por livros sagrados mais sagrados. Depois pensaremos em quanto mau gosto fomos obrigados a engolir e quanto fomos prejudicados pelas diversas iniciativas religiosas colonizadoras, assim como fomos sutilmente encaminhados a intercâmbios como aqueles que foram inventados pelos faraós e que fazem com que nossos jovens sejam alienados de por vida. Descobriremos que alguns de nossos poetas foram profetas, que as ODAS A LAS ESCALINATAS e que a LADERA ESTE foram revelações de uma alma indígena americana mundial que se descobre entre civilizações. Nosso mundo se recompõe entre galerias dentro de palácios que pareciam maciços, onde deuses enojados do cotidiano se retiravam para meditar sobre o passado, entendendo que só há futuro quando ele é construído. A América que se fez sobre os inúmeros índios mortos não tem lugar para as elites carcomidas alienadas que se afirmam por meio de se negarem. Estamos no umbral de uma civilização que se forma mediante a dialética negativa da contra revolução burguesa e descobrimos, para nossa mais genuína surpresa que estamos de pé em um balcão sobre a barbárie do império anterior.

sábado, 30 de janeiro de 2010

CRONICAS AMERICANAS 3

Reversões do autoritarismo

A década de 1990 para a América Latina foi um momento de fortalecimento de tendências democráticas em um período de extroversão do poderio norte-americano, agora com os poderosos contrapontos da China e da Rússia. O fim do ciclo de ditaduras de 1964 a 1985 representou mais que o fim de autoritarismos violentos, já que mostrou novas escalas de diálogo e novos espaços de identidade. Mas esse período revelou-se um teste difícil de superar, porque tornou necessário qualificar as democracias e por à prova a substância histórica do Estado nacional. Não é suficiente reconhecer o poder ascendente das grandes empresas, mas é preciso confrontá-las com o tecido de acordos, lealdades, deslealdades e individualismos que estão no miolo desses grandes interesses. O fim das ditaduras deixou à vista Estados nacionais carentes de legitimação e necessitados de instrumentos eficientes de gestão. Mas essa conclusão de ciclo também significou o esgotamento de referências de sistemas de poder arcaizados, que conjugavam uma ancoragem totêmica em preceitos do mundo rural personificado com uma complexa teia de mecanismos de subordinação trabalhados sutilmente pelas principais potências ocidentais. Desde a década de 1950 o imperialismo descobriu a cultura como recurso de dominação, mas não sabia o que fazer com ela. Criou uma antropologia subalterna, mas revelou-se incapaz de tratar as nações americanas como sociedades e relegou-as à condição de cultura e seus idiomas à categoria de dialetos. Com essa manobra estabeleceu uma distância insalvável entre as sociedades proto-européias e as indígenas.

Com a critica da cultura colocou-se um dilema de maioridade nacional que logicamente não seria dado pelas grandes empresas, senão que fluiria da relação entre a sociedade econômica e a sociedade política. Toda a luta que se livrou entre as estruturas tradicionais de poder e as representações dos setores não capitalistas foi – e tem sido – uma manifestação de novas sociedades urbanas que exprimem novas ideologias e novas competências.

Desde então, decepções que sobrevieram no plano político, como no Brasil em 1985 e na Argentina em 1984, quando voltaram ao poder políticos representantes de situações anteriores às ditaduras, na verdade instrumentalizaram um novo momento de articulação dos grandes capitais em seu duplo movimento de controle do mercado interno e de participação no mercado internacional. É revelador que no Brasil a saída da ditadura tenha sido paga com anistia a torturadores. É um pacto de poder que indica limites de ação e regras de conduta.

A América Latina entrou no novo século com um modo de concentração de capital que põe de um lado um pequeno número de grandes capitais privados, um número não muito maior de fundos públicos controlados pelo sistema político e um pequeno número de grandes empresas privadas. Este novo padrão de poder econômico tem duas graves conseqüências que são as de aumentar o poder dos governos nacionais para decidir sobre a taxa de investimento e o aumento da vulnerabilidade dos países frente a decisões econômicas que escapam ao controle dos governos nacionais.

Esta equação de poder encaminha um novo perfil político dos governos nacionais latino-americanos que se sustentam em associações de interesse com os grandes capitais e desenvolvem estratégias sociais compensatórias. Observe-se que, mesmo em situações em que são claramente redistributivas, como no caso do programa bolsa família, essas estratégias não criam novos empregos diretos e seus efeitos no mercado de trabalho são todos indiretos. Salta à vista que o essencial desse contexto é um realinhamento do sistema de poder com barreiras mais claras entre as esferas de influência dos grandes e dos pequenos interesses e dos que operam em circuitos paralelos de poder.

Estão em jogo o pacto e a forma do autoritarismo, mas não o modo autoritário de controle social. Este se exerce com mais força sobre os trabalhadores e sobre todos os que precisam trabalhar. A tendência incoercível ao desemprego tem o efeito contraditório de devolver ao Estado o papel de fiador da renda da classe média, agora mediante os mecanismos de concurso para o serviço público. O Estado retoma funções de empregador e introduz novas condições de diferenciação de renda e de garantia de emprego. Às empresas resta o papel de defensoras dos interesses do capital, protegidas pelo talento dos setores de publicidade e de marketing. Caberá examinar esses novos desvãos da modernização, assim será preciso rever o significado da qualificação educativa formal. Uma rápida revisão do que vêm sendo os movimentos locais de reivindicação econômica, em diversas partes do Brasil, revela uma enorme distância entre aquela modernização conduzida pelos aparelhos do grande capital e as iniciativas de comunidades e governos locais. Uma nova visão teórica sintética desse processo espera, desde a Revolução burguesa de Florestan Fernandes.

A questão central parece estar no laço entre movimentos externamente conduzidos e movimento internamente apresentados, que qualifica relações de classe e dá novas luzes aos aspectos étnicos e éticos. A critica histórica do autoritarismo se faz como uma manifestação histórica de consciência social.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

CRONICAS AMERICANAS 2

Os fundamentos irracionais da autoridade

O autoritarismo é um modo de ser da atividade política que se realiza nos âmbitos em que ela acontece, desde o ambiente familiar ao comunitário e ao da política organizada nos planos local, regional e nacional. O autoritarismo é uma manifestação irracional de autoridade, que tem sido atribuído ao componente tradicional dos sistemas de poder, por isso mesmo, separado das práticas de modernidade. No entanto, diante do recrudescimento das estratégias de poder conduzidas a partir de uma lógica de interesses identificada com a perspectiva de empresas
[1], torna-se necessário rever os fundamentos históricos do autoritarismo. Não será um atributo do que é tradicional senão uma estratégia de poder que usa a referência a tradição, do mesmo modo como usaria qualquer outro recurso a controle social. O autoritarismo usa tradições apenas no que elas reforçam a relação entre autoridade e obediência, mas não cita tradições de trabalho cooperativo nem tradições de insurreição. Em síntese, o modo de autoritarismo precisa ser colocado em situações e em processos específicos, tal como ele é chamado a sustentar processos de poder.

Essa relação entre o autoritarismo e a base familiar da sociedade exige uma reflexão mais cuidadosa acerca das transformações da esfera familiar na América. Os Estados Unidos tiveram modificações precoces determinadas pelo esforço bélico na Primeira e na Segunda Guerra Mundial. Os conflitos políticos e as migrações foram os principais detonantes de transformações na família dos grupos médios e superiores de renda, enquanto a luta pela sobrevivência modificava decisivamente a família nos grupos de baixa renda. Relações baseadas em cooperação e em concorrência foram instigadas pelas condições diferenciadas de participação no mercado de trabalho. Novas relações de poder se formaram desde as relações familiares, que se projetaram nas empresas, nos partidos políticos e na máquina governamental.


A importância que cabe atribuir ao autoritarismo hoje se deve a dois dados específicos da vida política na América Latina que são a atualização do bloco histórico de poder e o recrudescimento de práticas de controle maciço da população que podem ser entendidos como modos de autoritarismo indireto. Na América em geral há um problema com autoridade e com autoritarismo que acabou sendo trabalhado de modo explicito no mundo latino-americano e ocultado no mundo norte-americano. As estratégias do poder norte-americano partem de uma situação aparentemente inquestionável de supremacia para definir defesa, segurança etc. Passam por alto os limites externos desse sistema de poder e olham para as linhas internas de tensão apenas como variáveis desse jogo de poder. Há um autoritarismo direto, que se estende das ditaduras aos aparelhos de poder sutis e outro autoritarismo indireto, que usa o anterior e se realiza mediante o controle da formação de capital. À simplificação de dizer que a América Latina tem estado travada por problemas com autoritarismo cabe indicar a necessidade de um olhar introspectivo e cuidadoso sobre o tema da autoridade, com suas raízes, seus desvios, e, principalmente, a carga de reivindicações que este tema engloba.

As nações americanas surgiram de confrontos com versões de autoritarismo europeu, em confrontos que tiveram diferentes efeitos na grande propriedade rural. Nos Estados Unidos a disputa por sistemas de grande propriedade foi transferida à expansão de fronteiras enquanto na América Latina a grande propriedade foi assumida como fundamento das novas estruturas nacionais. A construção de sistemas autoritários abasteceu-se de tradições herdadas do feudalismo e de sistemas tribais americanos, como caciquismo e caudilhismo, que representavam o mando de base familiar, mas não de propriedade de terras. O prestigio pessoal do cacique, que jamais foi hereditário, foi reforçado por mecanismos locais de poder, favorecidos pela fragilidade dos Estados nacionais. O principio de autoridade identificado com a propriedade da terra foi incorporado ao sistema produtivo com o peso reconhecido aos proprietários na constituição do poder político formalizado.

A primeira observação que aparece como essencial nesta reflexão é denunciar a manobra sutil que consistiu nessa apropriação de valores indígenas de diversas nações e contextos, justamente, pelos sistemas que se formaram mediante a dominação dos índios. Guerra e extermínio sistemático de indígenas marcaram a formação dos EUA, da Argentina, do Brasil. Junto com a desqualificação dos indígenas vem a dos mestiços e a criação de fantasmagorias de uma América européia. O autoritarismo deriva do controle de terra e água, que estão associados ao controle de pessoas e se atualiza, incorporando referências do próprio modo de modernização. Uma segunda observação refere-se a como o controle das pessoas, isto é, da força de trabalho atual e da potencial, se torna o eixo do sistema, regulando a capacidade de controlar o uso da terra e as oportunidades de renda nas cidades. A chave desse processo é o controle da qualificação dos trabalhadores que se torna uma mercadoria e que está direcionada para atender uma demanda atual.

A formação e a consolidação de sistemas de autoritarismo fizeram-se por meio do controle do Estado e em sucessivos movimentos que transcenderam o poder militar local – milícias e bandos armados – ao de forças armadas nacionais. A autoridade não dependeu de eficiência econômica senão de controle de patrimônio. A incorporação desses sistemas nacionais ao mercado se fez mediante a articulação da produção rural por interesses internacionais, quase sempre britânicos. Coincide com a Segunda Revolução Industrial e aparece na Argentina, na incorporação dos Pampas ao circuito de exportação e no México à renovação da grande propriedade produtora de mercadorias pelo Porfiriato. No Chile com a exportação de guano e com a transformação do Chile em economia mineiro exportadora, tal como a seguir aconteceu com o Peru, com a Bolívia e com o México.

A expansão do capital que aconteceu entre 1870 e 1914 substituiu os mecanismos locais por mecanismos nacionais de poder, subordinando as formas mais antigas, preservando modos de autoridade familiar com a ajuda de aparelhos ideológicos que opera à margem do sistema mas que são essenciais a ele, tais como as igrejas e o sistema educativo. A consolidação de Estados nação foi um processo violento conduzido por núcleos regionais de poder, tal como aconteceu no Chile, na Argentina e no Brasil. Comparado com a força do federalismo na Argentina o centralismo chileno seria um exemplo de concentração de poder que se identificaria com um nacionalismo conservador.

O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe o desmoronamento desse sistema patrimonial pré-industrial e sua substituição por posições periféricas de atrelamento ao mundo industrial. Nesse novo contexto definiram-se papéis a serem desempenhados pelos líderes da industrialização, especialmente pelos EUA, papéis para os secundários do centro, como os Países Baixos, o nórdicos e papéis diferentes para países periféricos com variada capacidade de crescer. Em resumo, a chamada relação entre centro e periferia, tal como trabalhada por Prebisch, encobre posições e funções incomparáveis de países e de grupos. A relação concreta entre o campo do centro da acumulação mundial e o da periferia passa pelas vicissitudes da organização social da produção, em nações com mais recursos de solo e água como a Argentina ou em nações com limitações físicas como o Peru.

O desenvolvimento de sistemas exportadores externamente controlados foi a base de um colonialismo hoje difícil de entender, mas que foi a grande explicação da prosperidade desde a Inglaterra até a Bélgica e que só pôde se manter com o concurso desse autoritarismo irracional que manteve numerosas populações a serviço dessa lógica de extração de valor. A questão, portanto, se remete aos mecanismos do poder externamente controlado que desenvolve procedimentos internos de legitimidade. O tema da legitimidade, como advertiu Habermas torna-se essencial para a sociedade do capital em seu conjunto
[2]. A ascensão norte-americana se sustentou com a criação de novos aparelhos de poder, principalmente mediante indução e controle de consumo, de itens como coca cola e cinema, mas não removeu os aparelhos do sistema anterior, em que empresas européias encontraram como armar estratégias de participação nos mercados americanos. A própria sociedade norte-americana torna-se uma referência crítica

Sob essa pressão externa constante o autoritarismo torna-se uma estratégia defensiva, de proteção dos blocos de poder que procuram sobreviver com seus privilégios. O bloco de poder se reorganiza para defender a taxa de lucro que conseguiu mediante a coerção do mercado de trabalho, tal como foi feito no Chile posterior a Allende. O regime político instalado pela ditadura no Chile em 1973 foi um experimento mundial de autoritarismo e de desqualificação da representação dos interesses dos trabalhadores, cujo antecedente foi o franquismo, com a diferença que operava no contrapé do declínio da Guerra Fria, respondendo a um projeto imperialista do fim do século XIX, de inspiração imperial Germânia. Descrevem-se, assim, elementos de uma irracionalidade mais profunda e anterior ao próprio nazismo, que encontraria seu correspondente no autoritarismo argentino igualmente pró-nazi.

Surge desses socavões de irracionalidade pré-capitalista uma nova agressividade que mobiliza valores ditos tradicionais que são a representação dos interesses do sistema de poder emanado da grande propriedade. O novo sistema de poder se mobiliza para sustentar uma expansão de capitalismo periférico com fragilidades estruturais que são, precisamente, a falta de mercado próprio e a falta de energéticos, como é o caso do Chile. O poder se transveste de moderno, de empresarial. Recorre aos fundamentos irracionais do autoritarismo ibérico quando combina ingredientes religiosos e racismo, agora encontrando aliados inesperados nas facções mais reacionárias do protestantismo.

Descobre-se a principal contradição entre a reprodução do sistema irracional do autoritarismo e os mecanismos racionais de operacionalização do capital. No essencial é o uso racional da irracionalidade, que é a marca do autoritarismo industrial. Há um uso tecnificado do sistema político para corromper e eficiência econômica dos empreendimentos. Racionalidade na gestão do capital e do emprego e irracionalidade no nepotismo na esfera do capital privado. Finalmente, irracionalidade de desempregar força de trabalho quando o capital precisa de mais demanda interna para se reproduzir. Não é por acaso que o Brasil pôde ampliar a demanda interna mediante medidas populares – por discutíveis que sejam – enquanto outros países não tiveram essa margem de manobra. O desastre do capital na esfera mundial foi detido pela emergência de novos grandes mercados na Ásia, mas a tendência geral continua apontando a um bloqueio do mercado associado à queda do emprego.

Sob a pressão da crise mundial destapada em 2008, a polêmica em torno do autoritarismo se instala de novo, agora com uma combinação de referências internacionais e nacionais. Surgem “teóricos”periféricos do poder central
[3], revelando uma diluição das elites com os compromissos nacionais e uma nova atitude das grandes potências no uso de mercenários de todos os tipos, desde soldados a intelectuais.


[1] No discurso crítico sobre a América será inevitável, adiante, questionar a racionalidade das empresas como representantes dos interesses privados.
[2] Jurgen Habermas, Legitimidad del capitalism tardio, Buenos Aires, Amorrortu, 1972.
[3] Personagens tais como Parag Khanna ( O segundo mundo, 2008) ou certos “especialistas” brasileiros que trabalham para os planos de defesa norte-americanos exemplificam essa desnacionalização.

sábado, 9 de janeiro de 2010

CRÔNICAS AMERICANAS I

Exórdio

O olho do tempo pertence a Horus, o deus falcão que antecedeu Osiris. Na América mais profunda pertenceu ao deus Jaguar, que está a cavaleiro da Calçada dos Mortos em Teotihuacan e que no sul recebeu os nomes crípticos de Chac Moll e de Kukulkan. Para a América o tempo tem várias dobras que não podem ser reduzidas aos tempos de seus diversos invasores, desde os polinésios aos fenícios, aos vikings aos irlandeses e aos ibéricos. O tempo histórico da América se divide entre as regiões das civilizações antigas e as regiões de civilização recente, como a Argentina, o Brasil, os Estados Unidos e o Canadá. Mas, até por antecedentes geológicos são diferentes grandes regiões da América. Uma reconstituição histórica da América tem que passar pelo modo como se vive hoje essa complexidade.

O tempo governa os espaços, como nos dizem a astronomia e a história. Para a sociedade, o tempo comparece na forma de memória. O controle da memória é uma forma de poder que se exerce selecionando de que se lembrar e como disputa pela modernidade na América o controle da memória é um modo de confrontar com a dominação e de construir uma identificação mais que uma identidade transitória. Para o Brasil essa disputa pelo tempo memória é fundamental para perceber o futuro.


O cenário em 1970

A história com que tratamos não começou em 1970, mas aquele foi um ano chave que situou opções futuras e construiu uma releitura dos vinte anos anteriores. O fim da década anterior ficara marcado por um conjunto de eventos em 1968, em Praga, Paris, Washington, México, que indicaram, de diferentes modos, grandes rupturas nos sistemas estabelecidos. Foi, também o tempo do acirramento e fim da guerra do Vietnam e da guerra de 67 no Oriente Médio. O fim do qüinqüênio ficou denominado como de uma crise de combustíveis, mas demarcou uma quebra do padrão de acumulação mundial de capital e encabeçou uma revolução dos transportes e uma reestruturação da produção industrial. O mundo ganhava novo sentido de internacionalidade e a América Latina passava a uma integração forçada com essa nova mundialidade. Surgia o poder das multinacionais.

Adiante voltaremos ao acontecido por estas plagas nos decênios de 1950 a 1970. Em 1970 Prebisch deixou a UNCTAD e voltou para Santiago do Chile, já não para a CEPAL senão para retomar o controle de seu projeto predileto, o Instituto Latino-americano de Planejamento Econômico e Social – o ILPES – concebido para pensar ativamente a transformação do continente. O ILPES era o herdeiro direto da CEPAL, mas não era um órgão regular de consulta das Nações Unidas e tinha as mãos livres para fazer consultoria, realizar cursos e desenvolver pesquisas segundo suas próprias prioridades. Podia levantar questionamentos que não poderiam ser feitos por um órgão de consulta. Um ambiente onde era possível pensar de modo crítico. Criava-se um problema interno de representatividade em relação com o debate central sobre as políticas econômicas dos países latino-americanos, já que os documentos de consulta continuavam sendo elaborados pelo Departamento Econômico da CEPAL. O ILPES podia escolher suas prioridades. Surgia uma proposta, praticamente inevitável, de retomar os questionamentos de 1949, que tinham dado lugar ao aparecimento da teoria da relação centro-periferia. Esse desafio foi tomado no segundo semestre de 1970, quando Prebisch reuniu uma equipe de vinte pesquisadores para empreender um estudo que deveria substituir o famoso Estudo de 49, mas que jamais pôde ser concluído.

Na verdade estavam todos perplexos com acontecimentos que desmontavam teorias estabelecidas e havia poucos com a coragem de dizer que era preciso voltar às bases. Daí a enorme importância de homens como Myrdal que se colocavam “contra a corrente”, uma espécie de Lúkacs das ciências sociais que se declarava não marxista e exibia um sólido conhecimento de Marx. O debate teórico da década anterior estava esgotado. A teoria econômica de Solow, Hahn etc não passava de um exercício mecânico sobre pressupostos monetaristas sem imaginação. A sociologia se renovava com Giddens, Touraine, Bourdieu, Baudrillard. Mas a principal força da época vinha da filosofia com novas leituras de Lúkacs e de Gramsci, com Habermas. Já se via que no campo social a criatividade ficava por conta da História e da Filosofia.

A perplexidade não veio por acaso. Em 1970 ecoavam os tumultos urbanos de 1968 e a Primavera de Praga. Terminava uma década de juros baixos e se configurava uma crise de endividamento externo, anunciada por Avramovic. A economia internacional absorvia uma notável revolução dos transportes e das comunicações, ao tempo em que registrava a ascensão das empresas multinacionais (VAITSOS, 1978). No próprio ambiente da CEPAL e do ILPES já se perfilava outro discurso, de cunho sociológico, basicamente de estofo weberiano, sob os títulos gerais de marginalidade e dependência. A ruptura com o discurso economista pós-ricardiano de Prebisch, através do qual se descobriam as diferenças entre uma corrente marxista em contraste com a corrente weberiana que prevalecera sob a influência de Medina Echevarria seguido por outros sociólogos como Aldo Solari e Fernando Henrique Cardoso.

As leituras de teoria ou as explicações de corte teórico formadas na década de 1960 registraram o abalo de terem que registrar e reconhecer experiências nacionais que não se enquadravam nas receitas keynesianas. Literalmente, a história entrava pela janela, quando se enfrentavam os problemas de planejamento na Bolívia do governo Paz Estensoro – que queria fazer reforma agrária – e adiante no de Velasco no Peru, e já no Chile de Frei em que Ahumada inseria a “chilenização” do cobre. A América Latina já registrara a ferida representada pelo golpe que derrubou Arbenz na Guatemala e assistira as pressões sobre os governos socialistas da Jamaica e da Guiana do Chedi Jagan. O discurso do planejamento não podia mais ser “acadêmico” isto é, ficar nas mãos de tecnocratas reverentes aos impérios. A Revolução Cubana colocava um dilema que foi respondido por diversos técnicos do ambiente da CEPAL que foram para lá. Alguns chilenos que foram para Cuba foram posteriormente assassinados pelos sicários de Pinochet em 73, como aconteceu a Ricardo Garcia.

Os limites internos da industrialização eram os mesmos nos diversos países latino-americanos onde o bloqueio da classe media também significava a estagnação do mercado interno. É curioso como os economistas tinham ou têm dificuldade em entender que o mercado é o ambiente de negócios, como nos ensinou Marshall. Os estudos de economia industrial datados da década anterior revelavam-se ingênuos por não perceberem as mudanças na estrutura das empresas e ignorarem a aliança entre os grandes capitais e os governos nacionais. A análise econômica industrial continuou tecnicista, isolando-se da agricultura, sentindo-se mais avançada que o comércio, ignorando o preceito de Marshall que o capitalismo se faz mediante negócios que envolvem todos os setores. Perdeu-se muito tempo trabalhando com uma suposta separação entre agricultura e indústria, assim como se perdeu tempo transformando a caixa preta de serviços em caixa de primeiros socorros.

As experiências que se acumularam entre 59 e 69 decretaram o esgotamento da teoria econômica pós-marginalista, dita neoclássica, saída da combinação das análises de Paul Samuelson e John Hicks. É curioso que ambos pretenderam ser herdeiros de Keynes, o primeiro pretendendo inovar em teoria dinâmica e o segundo dispondo-se a “completar” idéias de Keynes com seu falido A crise da economia keynesiana
[1]. Observe-se que o campo da economia neoclássica, essencialmente acrítico, transformou-se em uma sociedade de elogios mútuos, com pequenas divergências entre marginalistas neoclássicos e marginalistas keynesianos, onde autores anteriores são citados apenas para lembrar algum dispositivo de análise. É elegante citar Marx, mas está claro que a maioria não leu nada dele e não entenderam mas não gostaram.

Os próprios adeptos da ortodoxia não sabiam muito bem para onde ir, porque não dispunham de ferramentas para dar conta das mudanças. Mas a história não é a da teoria, senão a teoria reflete a história. No mundo saxão, que se apresentava como único capaz de produzir e conduzir a teoria social, especialmente a econômica, formava-se um novo escolasticismo que chegaria à insanidade de supor que as ciências sociais começavam com os Estados Unidos, como insinuam Huntington, Fukuyama e outros. Não por acaso, o atraso com que a academia saxônica leu os grandes autores alemães, suecos e franceses, por não dizer outros, sempre preferindo os mais conservadores, os mais recalcitrantes a reconhecer a pluralidade civilizatória essencial. Marshall
[2] e Schumpeter foram tardiamente redescobertos através de partes não polêmicas de suas obras. Kalecki foi descoberto por Joan Robinson e apresentado como um quase Keynes e não como o socialista que foi. Anos mais tarde Gramsci também foi pasteurizado e apresentado como um crítico de Marx[3].

Aos que tivemos a oportunidade de transitar entre os mundos culturais do poderio econômico e militar instalado e da periferia sujeita a oscilações de incerteza, foi dado ver a bifurcação entre a visão de mundo da dominação e a que se afastava dela. O fim da década de 60 revelou uma pletora de pensamento social e filosófico que mostrou a importância do retorno aos alicerces históricos da teoria. Autores como Henri Lefèbre, Jean Lojkine, Manuel Castells, David Harvey passavam a ser leitura obrigatória junto com Georg Lúkacs, Sartre, Merleau-Ponty, Camus, Foucault, todos do Primeiro Mundo, mas onde Samir Amin, Panikar faziam parte do cenário onde já estavam Prebisch e Celso Furtado
[4]. Tardaria muito para que se percebessem os fios condutores entre as obras desses autores, para que se situasse a linhagem Sartre – Foucault – Badiou ou que se percebesse o significado do desvio da teoria critica entre Adorno e Habermas. Mais ainda, para que se desmistificasse corpos doutrinários sutilmente transferidos como os do pragmatismo.

A ruptura do padrão de acumulação de capital correspondia a uma ruptura nas ciências sociais e a um descobrimento cultural que ficou por conta da literatura, onde a América Latina sobressaiu mais que o Velho Continente, com Roa Bastos, Cortazar, Asturias, Rulfo, Vargas Llosa e Garcia Marquez. O descobrimento da literatura como linguagem historicamente situada e como voz do mundo social revelou uma independência que se tornaria essencial para a América (JAMESON, 1995). O descobrimento da pluralidade historicamente formada e da identidade societária por trás da aparente pluralidade cultural seria inacessível a antropólogos desconhecedores da história do continente, embasbacados com Karl Wittfogel e Eric Wolf. O país com menos história, a Argentina, foi o melhor historiador e trouxe à baila a obra de Romero.

No plano político o cenário de 1970 na América Latina já estava contaminado pela nova vaga de golpes que começou em 64 no Brasil, prosseguiu em 67 na Argentina com a derrubada de Ilya e alcançou seus momentos mais trágicos em 73 no Chile e em 76 na Argentina. A corrente mlitar “azul” dos generais Ongania e Lanusse começava uma linhagem de militarismo adepto à Escola do Canal de Panamá notavelmente repetitiva. No Chile, conquanto o golpe liderado por Pinochet tivesse evidentes ajudas dos norte-americanos, dos ingleses e dos israelenses, teve a peculiaridade de uma inspiração franquista, com um radicalismo que nada tinha a ver com a geopolítica norte-americana. A versão chilena pós-franquista, tinha sua própria visão imperial, com pretensões a ser a Prússia da América Latina, colateral de seus rivais argentinos simpáticos ao nazismo. Não se deve esquecer que a corrente “azul” de Ongania, Lanusse e outros ganhou a disputa com uma corrente “colorada” liderada pelo almirante Rojas, que era claramente pós-nazista. Revelava-se que o militarismo na América Latina estava impregnado de raízes ideológicas pré-industriais, que continuava racista e pensava em termos de destino manifesto, um conceito herdado da dupla Hitler- Mussolini, mas que identificava com a direita castelhana colonialista. Pode-se considerar que os golpes militares da década de 1970 estavam ideologicamente situados com categorias da estrutura de poder do início da Segunda Guerra Mundial. A associação do peronismo com os nazistas, o projeto de domínio da América do Sul passaram por cima do intervalo dos Radicais Independentes vindos de Irigoyen e a queda de Frondizi significou a volta dessas ideologias retrógradas atualizadas.

O Brasil não fazia por menos, mas teve a graça de suceder o ufanismo do ‘milagre econômico” por uma visão realista de uma política internacional essencialmente prática, apesar de se antecipar ao famigerado Consenso de Washington com a política de equilíbrio macroeconômico e de desestatização promovida por Mario Simonsen. Os desastres de política econômica da década de 80 não fizeram mais que ecoar o atrelamento da economia brasileira ao espaço imperial do norte. Afinal, o fim da ditadura deu lugar a um retrocesso político de uns trinta anos. A saída do aperto através de um conservadorismo pragmático marcaria as sucessivas políticas desde Itamar Franco, que dariam lugar a que os governantes se atribuíssem sucesso simplesmente por seguirem o caminho mais prático. Os inconvenientes de corrupção seriam apenas danos colaterais. O futuro a nós pertence.
[1] John Hicks, La crisis de la economia keynesiana, Barcelona, Labor, 1976.
[2] É sintomático que a visão de Marshall do sistema econômico como regido por deslocamentos graduais das variáveis e de equilíbrio temporário tenha sido praticamente ignorada por seus leitores anglo-saxões.
[3][3] Na reivindicação de leituras gramscianas de Gramsci vale a pena ver os textos de Nicola Badaloni e os comentários de Carlos Nelson Coutinho, principalmente em sua introdução à tradução da Concepção materialista da história.
[4] Furtado já foi redescoberto umas duas ou três vezes e passou a ser elogiado por cidadãos que não o leram e que nada têm em comum com ele. Tornou-se um macroeconomista e não mais um economista de formação histórica dotado de sentido critico.