domingo, 19 de abril de 2009

ARTIGO

A ideologia do desenvolvimento nacional e as perspectivas
do capital internacionalizado
[1]

Preâmbulo

A identificação de uma perspectiva nacional de desenvolvimento econômico e social na América Latina reflete a existência de grupos sociais que corporificam interesses organizados em torno de um projeto nacional, ao tempo em que revela as limitações desses países para desempenhar esse papel. Se os projetos nacionais se formaram como contradições dos antigos sistemas coloniais, seu ulterior desempenho foi cercado pelas mudanças na organização do poder mundial, que aconteceram na primeira metade do século XX, quando os vestígios do velho colonialismo criado pelo capital mercantil do século XVI foram substituídos pelo colonialismo do capital industrial. Os efeitos acumulados da expansão internacional do grande capital em mineração e em transportes tornaram-se decisivos para o desenvolvimento dessas economias primário-exportadoras, especialmente no México, no Peru, no Chile e na Bolívia.

No meio das transformações da economia industrial, aconteceram mudanças fundamentais nas lideranças mundiais, com a substituição da Grã Bretanha pelos Estados Unidos, permeada de outras influências européias, principalmente da Alemanha
[2]. O nacionalismo esteve ligado a uma disputa pelo controle social nos países menos industrializados, onde a condução estatal da modernização garantia pactos entre as elites rurais e os novos capitais industriais. Contrariando tendências internacionalistas que tinham marcado o período de 1880 a 1914, quando se estenderam investimentos europeus nos sistemas de transportes e quando se organizou uma rede de exportações, no fechamento dos mercados europeus após a primeira guerra mundial começou o desgaste daquela tendência internacionalista e surgiram governos – na Argentina, no Brasil, no Chile, no Peru, no México, na Bolívia – que descobriam formas de nacionalismo inspiradas nos autoritarismos europeus.

Por isso, em vez de uma identidade nacional genérica e invariante, torna-se necessário trabalhar com a noção de movimentos de identificação e de perda de identidade nacional dos países periféricos, que correspondem à consolidação ou à diluição de certas estruturas de poder; e à articulação dessas estruturas de poder no plano internacional. Assim, os projetos de desenvolvimento nacional espelham propostas de poder em cada país, que procuram se afirmar com determinadas condições de articulação da composição nacional de poder com alianças externas. Em suma, é preciso reconhecer que os projetos nacionais foram sempre composições de poder que tiveram alguma relação externa essencial e que se situaram em certas conjunturas da economia mundial.

Daí, que os projetos nacionais mudaram ao longo do tempo, segundo mudaram as condições de reprodução do poder econômico e do poder político. Nessa perspectiva, os processos nacionais são internacionais, naquilo em que se realizam sobre conjuntos de relacionamentos em que sempre há um componente internacional. Como principal referência, cabe considerar as condições do nacionalismo no período entre as guerras mundiais e no período da Guerra Fria.

No Brasil, a expressão desenvolvimentismo tem sido usada como um reducionismo conceitual e com um sentido pejorativo, que tem inconfundível ranço ideológico. Em parte por significar uma redução do fenômeno do desenvolvimento aos seus termos nacionais e em parte, por indicar uma generalização da perspectiva nacional, que ignora a pluralidade de condições em que acontecem as experiências nacionais. Trata-se o desenvolvimento nacional como uma questão exclusivamente brasileira, sem reconhecer como o desenvolvimento nacional de um país condiciona o desenvolvimento nacional de outros países. Além disso, como leitura do processo histórico, o desenvolvimentismo representa um desafio às doutrinas ortodoxas liberais, que proscrevem qualquer leitura teórica que confronte com o discurso do grande capital. Vê-se, portanto, que a ideologia do desenvolvimento nacional significa o reconhecimento de uma representação de interesses de certos segmentos da sociedade, que respondem por segmentos do capital e do trabalho. A ideologia do desenvolvimento traduz a complexidade dos interesses incluídos na nação em seu conjunto. Daí, o tom hostil com que a maior parte da academia ortodoxa tratou as tentativas da CEPAL - daquela CEPAL de Raul Prebisch e seus colaboradores – sem realmente ter gerado uma critica consistente dessas idéias. Foram criticas aos fundamentos empíricos dessa teoria e críticas a sua consistência perante axiomas neoclássicos que ela precisamente pretendia negar, tais como a validade de uma análise internacional baseada em relações entre dois países e dois produtos.

Como se viu nos anos a seguir, a originalidade dessas propostas decorria de que elas representavam uma crítica do sistema colonialista e de seus desdobramentos na economia industrial. A situação desfavorável crônica apontada pela análise da CEPAL era tipicamente a de nações colonizadas ou submetidas a condições de relacionamento externo semelhantes às de colônias. Essa análise deixava de considerar as transformações ocorridas dentro do sistema colonial, assim como as transformações acontecidas na situação pós colonial. Por isso, ficou restrita àquelas condições específicas dos países do Cone Sul que se apresentavam como líderes da América Latina.

A crise do período de 1920 à segunda guerra mundial surgiu do esgotamento das exportações tradicionais e de sua subseqüente subordinação à expansão do capital industrial, que define outro momento da internacionalidade do grande capital, com novos modos de constrangimento dos países periféricos a uma posição de vendedores de produtos primários e de exportação de trabalho. Além disso seu setor exportador foi ocupado progressivamente por empresas dos países industrializados, deixando fora de seu controle a maior parte da renda gerada pelas exportações. O principal equívoco teórico da CEPAL
[3] consistiu em ater-se à explicação dos mecanismos da formação e da distribuição da renda, sem penetrar numa análise do capital. Os problemas do comércio teriam que ser qualificados à luz de sua inserção em movimentos da acumulação de capital que, logicamente, não poderiam ser percebidos em análises limitadas pelas fronteiras nacionais. Há um problema mundial de sustentação da atividade exportadora e há um problema específico dos países periféricos, de conseguirem modificar a composição de seu relacionamento com outras nações. Esse problema aparece primeiro na rigidez da pauta de exportações, porém é muito mais profundo e parte da dificuldade de economias tecnologicamente simples passarem a ser tecnologicamente complexas em pouco tempo.[4] Daí que, a questão que nos defronta, na perspectiva dos países latino-americanos, refere-se às condições objetivas desse projeto social e às condições objetivas de seu desenvolvimento e de seu ulterior bloqueio.

A origem dos fundamentos ideológicos do nacionalismo desenvolvimentista é sumamente complexa, envolvendo sempre uma disputa não explícita. Compreende raízes internas e a influência de fatores internacionais. Ideais políticos nacionalistas estão presentes desde antes da independência política
[5], mas uma ideologia nacionalista surgiria apenas como resposta ao domínio da industrialização e seria parte do movimento geral da modernização, comandado pelos países europeus.[6] A ideologia deste desenvolvimento nacional é parte das reações do mundo do após a primeira guerra mundial. Nessa perspectiva, os processos nacionais são internacionais, naquilo em que só se realizam sobre conjuntos de relacionamentos em que sempre há um componente internacional.

Nestas reflexões, pretendo mostrar a ideologia do desenvolvimento nacional como um fenômeno latino-americano característico do momento histórico que combinou a necessidade de afirmação de identidade nacional com as condições internacionais posteriores à primeira guerra mundial, bem como, como um processo que progrediu e entrou em contradições no ambiente internacional da Guerra Fria e da mudança do padrão de acumulação de capital na economia mundial em seu conjunto.

No transcorrer da segunda metade do século XX, mudaram as condições de concorrência e de cooperação entre as nações mais ricas, desenhando-se um aparelho internacional de controle das economias nacionais, sustentado pelo poderia industrial e militar, que tem os componentes jurídicos e de cooperação das Nações Unidas, os componentes comerciais do GATT, da UNCTAD e da OMC e os componentes monetários e financeiros do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. O sistema público internacional se combina com a integração do mercado financeiro, onde a volatilidade do capital expõe as diferenças mais profundas entre os países mais adaptados ao modo de funcionamento do grande capital e os que têm menor acesso a participarem como investidores.

A perspectiva do desenvolvimento econômico e social como um processo nacional foi desmontada pela perspectiva liberal, que vê o mercado como uma entidade supra nacional e como um espaço de transações econômicas, e pela perspectiva marxista, que vê o desenvolvimento como um processo ligado aos movimentos do capital internacional. Nesse sentido, o projeto nacional surgido no ambiente da tecnologia e do poder político da Segunda Revolução Industrial não tem cabimento no ambiente econômico e político surgido da crise do padrão de acumulação de capital na década de 60. O que não quer dizer que os fundamentos econômicos, culturais e políticos dos valores nacionais tenham sido esgotados. Pelo contrário, encontra-se que a ideologia do poder das nações mais poderosas é, nitidamente, nacional. A questão consiste, portanto, para os ricos e os não ricos, em expor a relação entre os elementos técnicos e os ideológicos dos projetos nacionais de poder e de como eles se reorganizam no ambiente da globalização, dos fundamentalismos, dos conflitos étnicos. Entendo que essa análise só pode ser conduzida através da explicação do motor da transformação da sociedade, que é a concentração do capital.

O aumento de velocidade da circulação do capital vem alterando o processo produtivo, para adaptá-lo ao ambiente de velocidade crescente. Nessa tensão, o aumento de velocidade do campo internacionalizado colide com as diferenças de capacidade para se adaptar à velocidade com que operam os interesses organizados em cada país. Hoje, quando o movimento cíclico da acumulação de capital desenha uma nova composição de participações de empresas multinacionais e de empresas locais, e de trabalhadores com diferentes condições de mobilidade, é preciso discernir que há de efetivamente novo no perfil exportador de cada país, quanto são atualizações de velhas linhas de exportações primárias, e que significa a desnacionalização do comércio.

Ao situar a formação da ideologia nacional de desenvolvimento na combinação de suas raízes internas com seus determinantes na esfera internacional, conclui-se que essa afirmação foi historicamente necessária, no sentido em que se tornou inevitável, como expressão dos interesses do capital em ascensão, que precisavam do respaldo de políticas especiais, que, por essa mesma razão, se tornou contraditória com os movimentos do capital mundializado.

Nesse contexto, o pensamento da CEPAL de Raul Prebisch e de seus colaboradores, sem ter se separado do campo marginalista numa versão basicamente keynesiana,
[7] representou uma ruptura com a tradição da teoria econômica ortodoxa, ao oferecer uma linha de argumentação anti-colonialista, que confronta com as perspectivas de modernização dos economistas ortodoxos, como Gudin, Bulhões e Campos no Brasil, Alsogaray na Argentina e Marshall no Chile. No entanto, a superficialidade do debate sobre esses temas passou por alto o significado de restauração da prosperidade do período de 1870 a 1914, identificada com o modelo primário exportador, mas no essencial fundada em certo perfil de hegemonia econômica e política, que foi a do Império Britânico. Não se pode esquecer que o primeiro quarto do século XX foi de disputa entre os Estados Unidos e a Inglaterra pela liderança econômica e política mundial, especialmente no espaço da América Latina[8].

Com essas referências, entendo que a ideologia do desenvolvimento nacional passa por dois períodos nitidamente diferenciados, que são aquele que vem do fim da primeira guerra mundial até o fim da segunda guerra mundial e aquele outro que ficou marcado e delimitado pela Guerra Fria. Nesse período mudou o ambiente externo para o desenvolvimento dos países e mudaram as condições internas, em cada um deles, para realizarem o esforço de se desenvolverem.

No transcorrer da segunda metade do século XX as propostas de desenvolvimento econômico sobre bases nacionais colidiram com o aumento de velocidade na acumulação do capital mundializado e revelaram as contradições de interesses prevalecentes em cada país. De fato, a perspectiva nacional tornava-se restritiva, porque significava entregar o mercado nacional a um monopólio das elites nacionais. Tal monopólio viria a ser a principal justificativa para uma abertura de mercado pelo liberalismo conservador, que, a seguir empreendeu as privatizações que transferiram a multinacionais o capital acumulado pelo Estado
[9].

Hoje, quando o movimento cíclico da acumulação de capital desenha uma nova composição de participações de empresas multinacionais e de empresas locais e de trabalhadores com diferentes condições de mobilidade, é preciso discernir que há de efetivamente novo no perfil exportador do país, quanto do setor exportador representa apenas atualizações de velhas linhas de exportação primárias e que significa a desnacionalização do comércio. O projeto de desenvolvimento nacional significaria uma política de controle social da acumulação de capital, que ficaria em poder da burguesia de cada país, sem atentar às ligações internacionais desse segmento da sociedade.

Nessa reflexão quero situar as condições históricas da formação de uma ideologia de um desenvolvimento assentado sobre a consolidação da identidade nacional, portanto, mostrar em quais circunstancias essa visão foi historicamente necessária e em quais outras circunstancias tornou-se contraditória com os movimentos do capital mundializado. O foco, portanto, está no movimento geral da produção capitalista na periferia da economia mundial. Nessa perspectiva, o pensamento da CEPAL de Prebisch combinou modernização com restauração, apoiando-se na experiência da Argentina e na do Chile, buscando recuperar a prosperidade anterior a 1930, enquanto o pensamento brasileiro trata de um desenvolvimento nacional como parte de situações históricas específicas, que mudaram, radicalmente, entre a década de 1930 e a de 1950.
[10] Haveria, portanto, um problema prático, de alcançar novos modos de funcionamento que pudessem substituir as condições externas vantajosas causadas pela expansão da demanda européia dos produtos que estes países podiam produzir e de conseguir que seu sistema socioprodutivo se atualizasse o suficiente para realizar essa tarefa.


Primeiro ato

A ideologia do desenvolvimento nacional instalou-se no período entre as guerras mundiais, refletindo diversas reações ao modo de acumulação de capital que concentrava as oportunidades de crescimento em poucos países e que, ao expor os demais países industrializados expostos aos problemas de desemprego e inflação, de fato deixava a economia mundial à mercê da prosperidade norte-americana.Os autoritarismos em diversos países europeus e no Japão foram respostas a essa concentração de oportunidades, que introduzia uma separação entre os países mais ricos, com suas diferenças de recursos naturais. As diferenças entre os impérios colonialistas e os países da Europa central, especialmente a Alemanha, eram substituídas pelas diferenças entre as novas e as velhas versões do colonialismo, com os Estados Unidos e a União Soviética encontrando novas formas de controle de nações econômica e militarmente mais fracas
[11].

O papel do controle da energia nessa nova geoeconomia do poder já se tornara evidente com os desenvolvimentos da tecnologia militar na Primeira Guerra Mundial e tornou-se a mola central da Segunda Guerra Mundial. A relação entre expansão industrial e uso de energia desenhava a disputa pelo controle das fontes de suprimento de petróleo, que se configurou como peça central da Segunda Guerra Mundial e dos desdobramentos dos anos subseqüentes, quando a guerra mecanizada e o aumento do consumo impactava da estratégia energética. A questão é que esses elementos já estavam claramente configurados na grande estratégia do final da Primeira Guerra Mundial, quando as principais potências passaram a desenvolver sua capacidade em hidrelétrica e em combustíveis fósseis.

As contradições do modo nacionalista no capitalismo avançado surgiam, justamente, da necessidade desses países de extraírem mais valia em maior escala, e de controlarem os recursos naturais necessários para ampliarem sua escala de produção. O nazismo e os fascismos italiano e japonês usaram a doutrina da superioridade racial para justificar políticas depredatórias de recursos humanos e naturais, que lhes dariam a escala de poder econômico e militar suficientes para um novo modo de imperialismo e de colonialismo. As versões mais limitadas desse estilo de novo colonialismo, em vários países europeus, operaram com esquemas socialmente excludentes, que poucos resultados econômicos trouxeram. No conjunto, foram projetos de poder que se basearam num uso racional mas ilimitado de força e numa desqualificação dos grupos sociais e étnicos dominados. O racismo foi um traço essencial do nacionalismo moderno, que encontrou diferentes objetos de sua discriminação, desde o antisemitismo ao apartheid e à variedade de formas de racismo contra negros e índios.

Esse nacionalismo autoritário da segunda revolução industrial encontrou-se com uma combinação de forças que pôs, lado a lado, os interesses das potências identificadas com uma etapa seguinte da hegemonia mundial com as reações anticolonialistas. A Europa ficou dividida entre as alianças com a estrutura de poder da Segunda Revolução Industrial e a estruturação de poder que se ajustaria ao novo ambiente de internacionalização do capital. O fim da Segunda Guerra Mundial viu o fim da viabilidade desses projetos, desenhando-se um novo perfil de conflito entre a organização internacional do capital e os modos de acumulação que dependiam do controle exclusivo dos mercados nacionais. O conflito mundial teve as duas conseqüências de marcar o fim dos projetos nacionais autoritários e de liberar o poder hegemônico norte-americano para ocupar os espaços que foram traçados pelos impérios coloniais. No entanto, não é um quadro exclusivamente de conflitos, senão de composição de interesses com componentes de conflito, tal como se viu no realinhamento dos interesses ocidentais no Extremo Oriente.

Na América Latina, a ideologia do desenvolvimento nacional tomou a forma de políticas de superação do colonialismo, que percorreram vários países, em experiências que vêm desde o início do século XX (Battle y Ordónez, Uruguai), mas que se concentraram no período de 1930 a 1950, como Lázaro Cárdenas (México), Perón (Agentina), Vargas (Brasil), Grove (Chile), Odria (Peru), Arbenz (Guatemala), Paz Estensoro (Bolívia). As propostas de desenvolvimento nacional na América Latina saíram da corrente central do desenvolvimento internacional do capitalismo e assumiram dois papéis fundamentais, que foram os de recuperação do desastre causado a essas economias pouco industrializadas pela Primeira Guerra Mundial e pela depressão de 1930; e da busca de um caminho alternativo ao da continuidade do domínio econômico externo, que, deve ser esclarecido, não se limita ao predomínio de uma nação hegemônica, senão que se estende a um sistema de dominação de que participam nações que não podem ser classificadas como potências, tais como são os Países Baixos e os Ibéricos. A proposta de desenvolvimento nacional elaborada nos países latino-americanos na década de 1930 identifica-se com a perplexidade de seus quadros dirigentes diante da dificuldade para definir um caminho para superar os bloqueios do sistema mundial criado pela Segunda Revolução Industrial. Nesse sentido, o desenvolvimento nacional seria uma alternativa defensiva, cujas principais referências seriam aqueles investimentos capazes de modificar a estrutura produtiva. Mas seria essa uma estratégia cujas possibilidades de sucesso estariam delimitadas pela capacidade de cada país para alcançar novas tendências de diversificação que lhes permitam aceder a novos modos de participar das relações internacionais? Não há como negar que os atrativos do desenvolvimento nacional são diferentes para os países que têm ou podem vir a ter um mercado próprio suficiente para sustentar esse processo e para os países que não têm essa perspectiva de mercado.

A questão de ter mercado próprio, e não só de mercado interno, só foi tratada de modo parcial pela análise do desenvolvimento, que continuou trabalhando com o falso dilema entre mercado interno e mercado internacional. De fato, a crítica dos projetos de desenvolvimento nacional pressupôs que os países periféricos estariam sempre limitados ao seu mercado interno, ignorando que eles justamente viveram de suas exportações, que a expansão de seu horizonte de trocas se fez sobre e a partir de núcleos de exportação e sobre vantagens relativas em determinadas linhas de produção, que se formaram para o mercado internacional. Isso se aplica à modernização agrícola e a diversos ramos da produção industrial, nos países que alcançaram níveis de eficiência capazes de concorrer no mercado internacional, tal como foram os casos do Chile com sua produção de cobre e da Argentina, com seu setor de cereais e carne. No entanto, essas faixas de mercado só têm sido incorporadas em mudanças do dinamismo da produção nacional na medida em que os capitais neles incorporados ganharam a capacidade de aperfeiçoar a produção, para alcançarem níveis de produtividade – além de padrões de qualidade – suficientes para acompanhar custos e lucros na esfera internacional
[12]. Como as operações internacionais estabelecem padrões técnicos e financeiros que situam as operações internas, e como ambas estão ligadas pela qualificação do trabalho, há uma relação mais profunda e orgânica entre a produção para o exterior e para o mercado interno, que regula o desenvolvimento do sistema produtivo nacional em seu conjunto.

A proposta de desenvolvimento nacional na América Latina sai da corrente central do desenvolvimento internacional do capitalismo e assume dois papeis fundamentais: o de recuperação do desastre causado a essas economias primário exportadoras pela primeira guerra mundial e pela crise de 1930; e de busca de uma proposta alternativa às indicações das potências hegemônicas. O populismo aparece como a fórmula política e o desenvolvimento nacional como a fórmula econômica.

A ideologia do desenvolvimento incorpora as reivindicações das nações que ganham o status de Estado e reflete os pleitos da desigualdade reinante em cada uma dessas sociedades. Finalmente, desenvolvimento torna-se um objetivo de prosperidade, que representa anseios de dignificação em ambientes sociais menos desiguais, ou onde haja uma capacidade de crescer que se realize mediante a expansão de setores tecnologicamente mais avançados e socialmente menos comprometidos com as velhas oligarquias. Por isso, os impulsos de desenvolvimento envolvem aos grupos médios de renda e não ao contrário, isto é, quando o impulso avança incorpora a classe média – e não é a classe média que cria o movimento do desenvolvimento.

A crise iniciada em 1919 com o fechamento dos mercados das exportações latino-americanas e que se aprofunda em outubro de 1929 com o crack da bolsa, teve o efeito pouco lembrado entretanto essencial, de abalar o poder das oligarquias, abrindo espaço para essas anti-elites que procuraram alternativas econômicas para o controle político dos países e das regiões latino-americanas. Não se pode esquecer o trauma causado ao Brasil pela missão Otto Niemayer em 1931, que interveio na arrecadação de impostos. A maior parte dos líderes do desenvolvimento nacional provinha das próprias elites e dos estamentos militares. Sua concepção de poder era essencialmente autoritária. Sua abordagem era voluntarista.

O primeiro foco na explicação dos projetos de desenvolvimento nacional está em seu ambiente externo. Na América Latina em geral, no Brasil em particular, esses projetos conviveram com dois ambientes internacionais bem definidos, que foram o da crise de 30 e da ascensão dos autoritarismos europeus e o da hegemonia norte-americana entre 46 e 60. A formação ideológica do desenvolvimento nacional é produto da efervescência do período entre guerras, quando os autoritarismos apareciam como uma alternativa ao controle pós colonial. As propostas nacionais latino-americanas são quase todas de 1930: o governo Grove no Chile, a fundação do PRI no México em 1926, a fundação da União Cívica Radical na Argentina,

No Brasil, a luta se desencadeia na década crucial de 1920, quando a classe média surgiu no cenário político através do Tenentismo ecoando a greve geral operária de 1919 e quando fez a Coluna Prestes de 1924 a 1927 e quando surgem os movimentos políticos populares, com a criação do Partido Comunista em 1926. Para uma revisão dos fundamentos históricos do desenvolvimento nacional, é fundamental essa revisão dos primeiros vinte anos do século XX, já que a história oficial do Brasil tinha sido lida como se aqui não houvesse trabalhadores, isto é, como se fosse um país de patrões sem trabalhadores.
[13] As lutas políticas desse período foram o referencial da formação ideológica do desenvolvimento nacional, que esvaziaria as reivindicações dos trabalhadores absorvendo suas bandeiras.O varguismo desempenhou esse papel, tanto como o peronismo, substituindo a luta social por concessões do poder central.

É revelador que, quando essa luta se institucionaliza no conflito entre o governo federal e São Paulo, surge a proposta de autoritarismo nacional pela pena do general Góis Monteiro, que forneceu o projeto político do Estado Novo
[14]. No entanto, com uma clara compreensão do ambiente político, os vitoriosos na luta armada fazem uma composição com os interesses econômicos de São Paulo, formando-se a base com que Vargas governaria o país. Assim, a ideologia do desenvolvimento nacional foi parte de processos de identificação do Estado nação, que significava uma metamorfose da nação subordinada em Estado independente. Essas pretensões foram postas a prova no mundo do após guerra, quando o poderio dos EEUU tornou-se um fator de ordenamento e subordinação. O desenvolvimento nacional passou a conviver com a onda de golpes de Estado de 1948 (Bogotá) a 1961. Logo surgiria outro vagalhão de golpes de Estado, de 1964 a 1976. Na prática a ideologia do desenvolvimento nacional foi sufocada pelos golpes de Estado determinados pelas contradições políticas da Guerra Fria e não necessariamente por um esgotamento interno[15].

As propostas de desenvolvimento nacional enfrentaram situações de mudança brusca, basicamente em ambientes recessivos, com uma pressão dos grupos de classe média. Para se operacionalizarem, as políticas de desenvolvimento buscaram instrumentos de política de diversas proveniências, mas onde, sem dúvida, tiveram um papel especial as influências dos países autoritários. Nesse ponto, uma questão que ainda fica por esclarecer é a influência da guerra civil espanhola, que, certamente, foi o principal embate ideológico da década de 30.

A experiência brasileira tem várias características próprias, que começam pelo relativo isolamento do país em relação com os demais países latino-americanos e com uma falta de comunicação entre as regiões do país, que só começou a ser seriamente revertida com o Estado Novo.
[16] É sintomático que o movimento de arte moderna de 22 não registrasse a turbulência política que explodiu em Copacabana. A ideologia do desenvolvimento nacional no Brasil surgiu como um movimento autoritário do poder, certamente gestado no ambiente conflitivo da década de 20, mas passando por experiências de converter a variedade dos interesses dos capitais brasileiros em um modelo sagaz de gestão do poder que ia criando uma sucessão de alianças fluidas, que, entretanto, em seu conjunto, sustentaram o projeto do autoritarismo populista.

O aparecimento de um bloco de interesses econômicos identificado com a diversificação do sistema produtivo derivou na polarização de interesses entre a Confederação Nacional da Indústria e os exportadores, nesse caso representando o café, o cacau, os minérios e a associação das empresas exportadoras com seus parceiros internacionais.


Segundo ato

O segundo momento do desenvolvimento nacional e de seus bloqueios corresponde ao período de 1946 a 1974, isto é, do fim da Segunda Guerra Mundial até a definição da crise energética, ao fim da Guerra Fria e à expansão das multinacionais. Esse período começou com um tipo de ascensão hegemônica dos Estados Unidos, em que tiveram papel determinante a construção de um arco de alianças controladas com os países da Europa Ocidental, um novo mapa de controle mundial do petróleo e um notável avanço da produção industrializada norte-americana. O aprofundamento das relações entre os países mais ricos determinou novo tipo de marginalização dos países periféricos, cuja movimentação externa ficou restrita a exportações de produtos de baixo valor agregado ou a produtos em que entram em frestas de mercado dos países ricos.

Esses fatores resultaram numa política de manter uma posição privilegiada nas vendas de produtos e serviços aos países periféricos.
[17] Assim, para os países latino-americanos, a Guerra Fria foi o período em que suas relações comerciais foram induzidas a compras de produtos norte-americanos, e em que suas exportações tinham poucas possibilidades de crescerem em vendas a outros países periféricos. A chamada relação Sul – Sul tornou-se uma referência das políticas internacionais emancipatórias. Outro aspecto desse contexto, que foi a expansão de crédito internacional, significou, também, uma concentração do sistema bancário, com expansão do crédito controlado pelos bancos norte-americanos e ingleses, a seguir, de holandeses e franceses, e, por fim, de espanhóis e portugueses.

Na distância no tempo, torna-se claro que a dificuldade dos países latino-americanos para aumentarem suas exportações, que sempre foi uma crítica contundente ao desenvolvimento nacional, resultou de um constrangimento externo mais que de incapacidade para exportar, apesar de que a maioria dos países teve um desempenho precário nesse setor. Assim, o segundo momento do desenvolvimento nacional refere-se a condições históricas, objetivas e subjetivas que houve, de se sustentar um estilo de desenvolvimento econômico baseado nas possibilidades de expansão do mercado próprio no período em que se ampliou a internacionalização da economia mundial. Trata-se das condições históricas concretas em que operam os capitais e em que transcorrem as tendências de concentração do capital em geral e de mobilidade dos diferentes tipos de trabalhadores.

Obviamente, por trás das preferências entre operar com um modelo de economia que se conduz com controle interno da formação de capital, ou com uma formação de capital sobre a qual não se pretende ter controle, há condições e restrições concretas, que permitem operar de um modo ou de outro. As condições internacionais mudaram radicalmente no momento posterior à Segunda Guerra Mundial, quando os projetos nacionais de modernização - ou de desenvolvimento – dos países periféricos foram atropelados pela mundialização da Guerra Fria. No entanto, os diversos países têm condições diferenciadas de tratar com as restrições externas, segundo administram suas relações com o grande capital.

Há causas internas e externas para o bloqueio desse processo. No plano interno, a racionalidade dos projetos nacionais de desenvolvimento envolvia uma aliança das elites autoritárias com a classe média e resultava num confronto de interesses entre esse novo bloco de poder e os interesses mercantis. No entanto, os ideais do nacionalismo tinham raízes mais profundas na formação social, em que não se pode excluir uma relação entre a chamada visão civilista e libertária e o abolicionismo, na formação da identidade nacional.

No plano externo conflitavam os dados do fim do colonialismo com os da Guerra Fria. O fim da segunda guerra mundial foi quando os ideais de desenvolvimento econômico encontraram uma nova fundamentação, legitimada pelas Nações Unidas e consoante com o fim do colonialismo. Os planos qüinqüenais da Índia, a formação de um bloco de países não alinhados, a cooperação internacional para um planejamento tecnicista e esquivando as tensões de classe, criavam uma aura favorável a uma renovação em principio das aspirações de desenvolvimento nacional. As tentativas de não alinhamento e de desenvolver políticas seletivas alternativas de modernização foram desqualificadas e abandonadas. No entanto, as pressões da Guerra Fria revelaram-se insuperáveis e desembocaram no movimento de articulação hemisférica da Aliança para o Progresso, que, por sua vez, só durou enquanto houve Guerra Fria.

No Brasil o período crítico do projeto de desenvolvimento nacional cobriu os governos de Dutra até Kubistchek, dando lugar à crise que se arrastou de 61 até 64, quando emergiu a proposta de um modelo de crescimento alinhado com as condicionantes da Guerra Fria e com as transformações do ambiente financeiro internacional. No entanto essa outra política econômica valeu-se dos instrumentos desenvolvidos no período anterior, desde a reforma tributária elaborada pelo governo Goulart até o BNDE criado no governo Dutra. A visão estratégica da economia desse período, resumida por seu principal arquiteto, Roberto Campos, se define como uma linha de menor custo alternativo e baseada em remover obstáculos, em suas palavras, sem questionar o contexto político da economia ou simplesmente tomando como base um alinhamento externo não desprovido de uma visão própria em temas como tecnologia e recursos humanos
[18]. Para todos fins, a política teria que ser duradoura, mesmo se trabalhasse com uma visão a curto prazo.

Em vários sentidos, no Brasil o período de 64 a 67 seria o da ruptura com a proposta de desenvolvimento nacional e o início de um estilo de desenvolvimento que tomaria a integração no sistema financeiro internacional como sua principal e inicial referência. Mais que uma economia aberta a investimentos internacionais, seria uma economia exposta às variações dos capitais internacionalizados. No entanto, esse outro modo de funcionamento revelou, desde seus primeiros momentos, um aspecto estrutural do problema, que consiste na necessidade de fundos de contrapartida para absorver os financiamentos internacionais.


Desfecho provisório

As condições internacionais que prevaleceram durante o período de referencia destas reflexões obviamente se esgotaram, Os fundamentos ideológicos dos projetos de desenvolvimento nacional foram diluídos ou submergidos pela expansão da economia globalizada, mas ficou um problema pendente, relativo à diferença entre o desenvolvimento econômico do capital no sentido schumpeteriano e o desenvolvimento econômico e social dos países. Por isso, a questão em torno de um desenvolvimento nacionalmente fundamentado teria que ser atualizada. Em suas formas iniciais, a proposta de desenvolvimento nacional tornou-se progressivamente inviável, ao enfrentar-se com a aceleração do capital financeiro e com o aumento do endividamento externo. Como se o fosso estivesse entre os que percebem as restrições externas e os que não as percebem. As condições externas para um desenvolvimento nacional democrático baseado em mercado interno se esgotaram ao longo da década de 50. Não tanto as propostas baseadas em mercado próprio, já que, justamente, as margens de flexibilidade que os países alcançaram decorrem da ampliação de sua capacidade de participar da economia mundializada. Empresas multinacionais latino-americanas surgiram, talvez, como exceções que indicam a formação de novos modelos de participação de grande capital na economia mundial. Porém várias das idéias principais desse projeto sobreviveram, herdadas pelos regimes autoritários nas décadas de 60 e de 70. No Brasil, a visão nacional direitista do regime autoritário retomou a noção de complexos industriais, cujo máximo exemplo é o sistema petroquímico, através dos quais patrocinou uma outra modalidade de associação do Estado com o grande capital. Esse modelo, entretanto, que é a principal herança dos governos militares, foi subsequentemente sujeito a uma nova crise de sustentação – indiretamente causada pelo custo da dívida – que funcionou como justificativa para o estilo de política econômica inaugurado pelo governo Collor e que prevalece desde então.Os setores estratégicos foram descapitalizados para pagamento da dívida externa. As crises energéticas e dos transportes se aprofundaram.

A questão se coloca em torno da posição dominante do capital financeiro e do grande capital em geral. Concluídos os dois períodos de políticas de desenvolvimento nacional e o período de desenvolvimento internacionalizado adaptado às condições externas gerais da Guerra Fria, ganha corpo uma modificação básica do funcionamento do capital financeiro, que resultou no aumento das margens de endividamento com que funciona a economia mundializada em seu conjunto. A movimentação financeira tornou-se principalmente privada, de multinacionais e de investidores individuais e o financiamento público passou a operar em contraponto com os movimentos de capital privado.

Assim, no plano nacional, passadas as oscilações das políticas do período autoritário, e verificado o conservadorismo da Nova República, cabe refletir sobre os elementos essenciais das propostas de política, que sucederam às tentativas de desenvolvimento nacional. À parte de uma avaliação social da política econômica, que logicamente focaliza no agravamento da exclusão social, há uma questão igualmente profunda, relativa ao fato de que os governos que tomaram a modernização e ascensão à condição de Primeiro Mundo não ofereceram proposta alguma para o desenvolvimento econômico do país. A crise ideológica que se anunciou desde o primeiro momento da chamada Nova República, manifestou-se na ausência de propostas de desenvolvimento e na aceitação acrítica das políticas de equilíbrio macroeconômico como referências do desempenho da política econômica nacional. As dificuldades da política econômica do Brasil durante a década de 1980, que pareceram ser estritamente nacionais, de fato, correspondiam a um quadro de dificuldades dos países latino-americanos, representando o esgotamento do arcabouço de financiamento com que operavam.

O novo movimento de concentração do capital se realiza no contexto das condições mundiais de hegemonia, no fundo da nova combinação da hegemonia norte-americana com a União Européia e com a ascensão da China à condição de segunda potência mundial. Mas, em cada país, o contexto social nacional gera forças sociais que se fazem representar e que são organicamente contrárias ao novo pacto de poder. Quanto se repetirá a velha história de que o bloco de poder se apropria das causas populares, coopta lideres populistas e transforma as reivindicações em vantagens? Não há razão alguma para supor que a perspectiva nacional está esgotada. Mas não podemos cair no simplismo de pensar no modo de desenvolvimento nacional sem situá-lo no ambiente histórico concreto da época. Qual o significado social da expressão nacional? Quanto são nacionais as empresas multinacionais que operam no Brasil, no México e na Argentina? Quanto esses países podem contar com sua formação de capital como de capital que se integra no conjunto nacional? Portanto, qual o perfil histórico de nacionalidade com que se vê a sociedade e que se atribui ao seu desenvolvimento econômico? Estas questões certamente não são parte da agenda ortodoxa, nem cabem na leitura neoclássica da economia. A questão em torno de uma Economia Política Crítica, portanto, é essencial para uma compreensão atualizada do problema ideológico do desenvolvimento.

Tal visão critica permitirá avaliar com objetividade os resultados materiais do processo econômico e os seus resultados em termos de emancipação. O Brasil alcançou resultados expressivos em seu desempenho externo, que, entretanto, terão que ser avaliados no sentido da capacidade de crescer distribuindo renda e revertendo os processos de exclusão social. Esse desafio das políticas nacionais de desenvolvimento encontra-se mais valido que nunca.


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[1] A versão original deste ensaio foi uma palestra apresentada na Faculdade de Administração da UFBA em seminário em honra a Rômulo Almeida, em março de 2005
[2] Em um grave equívoco, os economistas que têm se ocupado deste tema geralmente limitam as lideranças da modernização à Inglaterra e aos EEUU, passando por alto a influência de outros países, especialmente da Alemanha e da Itália, no campo político, no cultural e no militar. Os primeiros movimentos de modernização no Chile, na Argentina, no Brasil, na Bolívia, estiveram ligados a cooperação com esses países e a influência dos ideais nacionalistas autoritários tiveram sua principal inspiração na Alemanha e na Itália e em menor medida na França. As simpatias dos governos latino-americanos com a Alemanha têm sido melhor reconhecidas através de pesquisas sobre o Estado Novo, o Peronismo e o Chile, , mas elas foram muito mais profundas e estiveram ligadas a sentimentos de racismo, que tanto foram anti-semitas como anti-africanos. Os golpes de Estado do período de 1964 a 1976 foram férteis em manifestações de racismo e de repressão aos indígenas.
[3] Sigla da Comissão Econômica para a América Latina das Nações Unidas. Órgão equivalente às comissões para o Extremo Oriente, para a Europa e para a África, todos dependentes do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas. A CEPAL foi o único desses órgãos que elaborou uma análise econômica teoricamente sustentada e que utilizou em pesquisas e em assessoria aos países membros. Foi liderada por Raul Prebisch e alguns colaboradores imediatos desde 1948 a 1964. Seu trabalho foi posteriormente continuado pelo Instituto Latino-americano de Planejamento Econômico e Social, de 1961 a 1971, quando Prebisch se retirou. O chamado pensamento da CEPAL foi obra do próprio Prebisch, com alguns de seus colaboradores mais imediatos, como Jorge Ahumada, Celso Furtado, José Mayobre, Julio Melnick, Carlos Oyarzún, José Mendive, Manuel Balboa, Norberto González. Foi elaborado no decorrer da década de 1950, com a denominação de teoria da relação entre centro e periferia, Durante o decênio seguinte, houve contribuições significativas de Aníbal Pinto, Oswaldo Sunkel, Pedro Paz, Octavio Rodriguez e outros. No relativo à análise sociológica, destaca-se José Medina Echevarria. Na etapa de 1960, agregam-se contribuições de Fernando Henrique Cardoso, Aníbal Quijano e outros. Pressões políticas que se acumularam durante a década de 1960, a saída de seus principais pensadores, especialmente de Prebisch, junto com a pressão política representada pelo golpe de Estado do Chile em 1973 praticamente reduziram a CEPAL a um papel operacional de agencia convencional de cooperação internacional.
[4] Há uma literatura sobre o capitalismo tardio que tem que ser consultada, começando pelo trabalho de Mendel, pela análise da legitimação do capitalismo tardio de Habermas. No Brasil, cabe citar o trabalho de João Manuel Cardoso de Mello sobre o aspecto econômico do capitalismo tardio na periferia.
[5] Não se pode tratar desse tema sem referir ao projeto de Francisco Miranda, de combinar a independência política com a criação do que denominou de “Gran Incanato”, que integraria as colônias espanholas em um grande Estado capaz de deter a influência norte-americana.
[6] Gunnar Myrdal ( 1968) entende que a modernização é o modo operacional de dominação técnica e ideológica dos países europeus, que se vale de estratégias de desqualificação das experiências locais, mas que as subordina e mercantiliza.
[7] Alguns desses economistas, como Aníbal Pinto, Pedro Vuskovic, Noyola Vasquez, Maria da Conceição Tavares, manejaram categorias marxistas de análise, mas foram uma minoria no conjunto. A principal influencia teórica, de José Medina Echevarria representou uma perspectiva weberiana. O próprio Prebisch em seus últimos trabalhos aproximou-se uma visão marxista, mas as idéias principais do grupo identificam-se mais Ricardo e Keynes. As primeiras leituras marxistas do processo econômico foram formuladas por Ignácio Rangel no Brasil e pelo grupo do Instituto de Economia da Universidade do Uruguai.
[8] No relativo ao Brasil, uma contribuição esclarecedora é de Marcelo de Paiva Abreu, O Brasil e a economia mundial (1999).
[9] A privatização do setor elétrico brasileiro é um exemplo flagrante, em que empresas estatais foram vendidas a empresas públicas ou apoiadas com capital publico, deixando altamente duvidosa a própria noção de privatização, além de descapitalizar esse setor estratégico.
[10] Nesse sentido, sem tirar o crédito que merece a análise de Ricardo Bielschowsky sobre o pensamento econômico brasileiro (2000), entendo que esse movimento não pode ser explicado através da leitura das contribuições individuais, do mesmo modo como o pensamento da CEPAL não pode ser compreendido fora do contexto de crise da década de 1930. Os fundamentos históricos e ideológicos do desenvolvimento nacional surgem de contradições entre a crise de prosperidade das economias primário exportadoras e o reordenamento do contexto internacional da época, polarizado entre os novos autoritarismos e as potências colonialistas. Os Estados Unidos se incluem como potencia colonialista, porque na época já tinha se apropriado de Porto Rico, do arquipélago de Havaí e das Filipinas.
[11] O exemplo de recolonização do Vietnam pela França depois da Segunda Guerra Mundial foi o limite desse processo, que culminou com a derrota da França e com a subseqüente guerra e independência da Argélia, completando um processo que começara com a independência do Egito e da Indonésia. No campo soviético, a separação da Iugoslávia, foi seguida da intervenção na Hungria e na Tchecoslováquia, que marcaram o movimento de retração até o desmantelamento da União Soviética como tal.,
[12] Um exemplo representativo foi a perda de capacidade de competir da Argentina frente à Austrália em sua produção e exportação de carne de alta qualidade, devido a ganhos em densidade de capital da Austrália.
[13] A leitura da história na perspectiva do trabalho já acumula muitas obras fundamentais, com os trabalhos de Francisco Carone, Boris Fausto, Emilia Viotti da Costa, Yeda Linhares, Maria Sylvia Carvalho Franco, Cludio Batalha, Liana Aureliano e muitos outros.
[14] Alusão a uma carta do general Góis Monteiro a Getúlio Vargas, onde esboça o perfil do que viria a ser o Estado Novo.
[15] O papel dos Estados Unidos nesses golpes de Estado é indiscutível e tomou formas de apoio direto e indireto, desde treinamento de militares no Panamá a intervenções diretas.
[16] Esse isolamento não é casual. Desde o momento da independência o Brasil comportou-se com uma política de distanciamento da África, renegando seus vínculos anteriores com nações daquele continente colocando-se como uma nação não negra, derivada da Europa. Não é por acaso que desconheceu o reconhecimento político por parte de nações africanas e dificultou a entrada de africano ao país.
[17] A chamada “revolução verde” resultou em vendas de equipamentos agrícolas e sementes híbridas, que se tornaram um fator de controle externo da produção agrícola, chegando à composição do complexo agroindustrial.
[18] Ver o prefacio de Roberto de Oliveira Campos ao livro de Lorenzo-Fernández, A evolução da economia brasileira. Nele, Campos defende um estilo de “desenvolvimento aberto” e distingue quatro enfoques possíveis para a política econômica, que em suas palavras seriam um enfoque maximalista, um enfoque distributivista direto, um enfoque confiscatório e um enfoque redirecional. O primeiro consistiria em trabalhar com a máxima taxa de crescimento do PIB possível. Este último seria o adotado por ele e o único compatível com as condições prevalecentes.