segunda-feira, 24 de novembro de 2008

ARTIGO

CICLO E CRISE NA ECONOMIA DE HOJE
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Neste ensaio defendo a tese de que a atual crise mundial impõe que se recuperem os elementos de análise das tendências do sistema de produção, já seja ela definida como teoria da crise ou como teoria dos ciclos econômicos, que foram descartados pela análise econômica hoje considerada ortodoxa. A crise é parte do dinamismo do sistema e só pode ser explicada por uma análise com fundamento histórico, não se dobrando aos argumentos de uma análise atemporal. O tempo aqui é uma composição de processos de diferente duração e velocidade, que aparece de diferentes modos para os diversos participantes da vida econômica. Ciclos da atividade econômica e crises descartam a análise estática como instrumento idôneo de análise para trabalhar com processos econômicos que se realizam em tempo real. A percepção estática da teoria econômica, que em sua essência é a da teoria marginalista, a nosso ver representa um notável empobrecimento conceitual da análise social, determinado por ter se organizado a partir de uma visão imóvel da economia comparada com uma abordagem focalizada em suas transformações.

No mundo da teoria econômica há uma contradição entre a necessidade de explicar a realidade da economia e a opção por uma abordagem que organiza o raciocínio analítico a partir de uma situação hipotética de ausência de tempo e onde se vive sempre em condições de escassez relativa. A opção por uma análise estática pode ter um fundamento técnico ou uma raiz ideológica. Pode decorrer da dificuldade de combinar conjuntos de séries representativas da mudança em suas diversas manifestações, mas não se pode descartar que essa opção corresponda a uma leitura do processo do capital, em que o modo ideal de funcionamento do sistema já é o do capital avançado de hoje. O fim da história não foi inventado por Fukuyama, já era um preceito vitoriano, representativo da eternidade de um poder próximo de seu declínio. Marshall defende expressamente o uso da teoria para defender os interesses do Império Britânico
[1]. A história parece ter chegado ao fim para os pensadores que representam as nações hegemônicas que apenas pretendem manter suas posições, mas não tem fim algum para os que vêm processos contraditórios e condições transitórias de poder.

A exclusão do tempo como categoria explicativa de processos sociais impede que se percebam a complexidade e os desdobramentos da crise. Os simulacros de dinâmica introduzidos como analises intertemporais não vão muito mais longe que a análise estática comparativa de Marshall. A mesma estratégia de tratamento do tempo foi adotada por Hicks (1965), que ofereceu uma leitura comparativa de alternativas de deslocamento da abordagem estática. O desafio, já incontestável, de produzir uma política econômica adequada à luta contra a crise, que expresse as necessidades e os pontos de vista dos países periféricos, obriga a recompor os alicerces da análise econômica e sacudir de uma vez por todas os fantasmas da teoria econômica construída a serviço do grande capital.

A noção de crise ocupa um lugar central na teoria econômica, porque é parte da própria concepção do sistema produtivo enquanto processo que combina temporalidade com territorialidade. Os economistas denominados Clássicos, que fizeram a ponte entre o Iluminismo de Smith e o liberalismo de Stuart Mill, ligaram essa ordem do tempo e da formação dos territórios ao desenvolvimento da capacidade de produzir, que presumiram que fosse um processo universalizante, oscilando entre condições de excelência no centro social da formação do capital e condições de subalternidade em sua periferia. Vemos que a linha de crítica histórica, de Sismondi a Marx, representa uma recuperação de um tempo histórico concreto, incompatível com generalizações que não explicitem sua base factual. Este controle histórico das generalizações seria um dos principais argumentos da crítica de Dobb à crítica da teoria que se forma no ambiente keynesiano
[2].

A relação entre o sistema produtivo e o sistema de recursos naturais, foi primeiro apresentada como uma articulação de fatores de produção – terra, capital e trabalho – passando por cima do fato que se trata de uma inter-relação dinâmica entre o capital, o trabalho e os usos dos sistemas de recursos naturais. A suposição de continuidade do processo de produção e de crescimento do produto tinha sido objetada pela doutrina de Ricardo, mas seria posta de lado pelo marginalismo de Jevons e Menger, que restringia o escopo da análise econômica a um jogo de relações imediatas em que os ajustes dos fatores de produção não dependiam de restrições de oferta. Ideologicamente, o marginalismo austríaco bebe na fonte da doutrina da racionalidade do kantismo e o marginalismo inglês no individualismo de Hume e Bentham. Mas, em sua construção de um aparelho de análise, converge em uma resposta à análise estrutural histórica e oferece uma linha de explicação do funcionamento do sistema em que não se diz, mas se presume a velha tese da harmonia social apadrinhada pelo conservadorismo francês de Bastiat e outros. Em suas origens, inglesa e austríaca, o marginalismo é uma proposta de análise que pressupõe uma racionalidade uniforme de todos participantes da atividade econômica, que vê como eventos isolados
[3]. Por seus fundamentos categoriais, a análise marginalista não está qualificada para analisar processos, senão para explicar mecanismos que descrevem situações.

O mecanicismo marginalista está antecipadamente desqualificado pela análise de Marx, mas a linha de análise burguesa perseveraria com pressupostos de escassez relativa, concorrência perfeita e demais artefatos de uma microeconomia insensível às reais condições de diversidade do mercado de capital e do mercado de trabalho. O fantasma da análise do equilíbrio continuava a assombrar a academia e encontraria suas expressões mais sofisticadas no reducionismo da análise estática de Walras e no reducionismo microeconômico de Schumpeter. A questão relativa a um equilíbrio dinâmico, isto é, onde as relações entre variáveis resultam em crescimento do produto, dependeria, em última análise, que se explique como o crescimento do produto resulta em expansão do capital que sustente a continuidade do crescimento do produto social. Esta é a luva recolhida por Harrod de um duelo cujos termos foram estabelecidos por Marx.

A visão de Marx, de um sistema que progressivamente se amplia e se torna mais instável, contempla um aspecto interno do desenvolvimento do sistema produtivo e um aspecto externo, das inter-relações entre a produção e o consumo, que estão na raiz da crise de superprodução. A reprodução ampliada envolve mudanças nas correlações políticas de forças, junto com a transformação tecnológica. A grande novidade dessa abordagem é que nela o fundamental é a interação entre os movimentos interno e externo. Nessa perspectiva, a expansão da esfera financeira e o aumento do capital fictício acentuarão essa instabilidade, que passará ser um aspecto da transformação qualitativa do sistema. A reprodução ampliada do sistema produtivo está condicionada por uma lei geral do capital, que consiste, precisamente, em acumular concentrando e desvalorizando. A argumentação de Tugan-Baranowsky de que a produção capitalista se enfrenta necessariamente com falta de mercado focaliza em um aspecto da doutrina de Marx sobre a crise, em que as crises resultam de movimentos temporalmente situados do capital, pelo que não podem ser descritos por uma mecânica do processo. A crise de superprodução no sentido dado por Marx resulta da tentativa dos capitalistas individuais aumentarem sua taxa de lucro e não se confunde com falta de mercado, que significa apenas que não há quem compre o que alguns desejam vender. Os capitalistas tentam impor produtos que querem vender e que não necessariamente correspondem às necessidades ou aos desejos dos que podem comprar.

A teoria da expansão em espiral do capitalismo foi substituída pela abordagem de Leontief, que apesar de trabalhar com coeficientes de tecnologia que indicam densidade de capital, substituía a análise estrutural histórica de Marx pela análise estrutural estática de Walras. A identificação de ciclos de longo prazo a la Kondratieff, ou as análises empíricas sobre longo prazo como a de Kuznets, correspondem a uma clivagem ideológica que é incompatível com a análise neoclássica que é aceita como corrente principal.

Obviamente, ao circunscrever o horizonte da análise à esfera de relações instantâneas perdia-se a possibilidade de tratar com a crise. Nesse aspecto, a análise de Keynes não difere muito da tradição marginalista, no que ela se fixa no horizonte de possibilidades de aplicações do capital num dado momento, com uma composição de capital e com uma estrutura de mercado. A suposta heterodoxia keynesiana não passaria de uma briga de família, onde a maioria neoclássica ficaria com a representação dos interesses do grande capital internacionalizado. Daí, a importância de alguns desdobramentos do corpo teórico da corrente keynesiana, representados, principalmente, por Roy Harrod, Nicholas Kaldor e Joan Robinson
[4].

A teoria marginalista, especialmente a versão austríaca de Böhm-Bawerk, surgiu como um movimento anti Marx, do mesmo modo como a sociologia de Max Weber, se bem que de modo mais estruturado e explícito. A mecânica do sistema segundo a perspectiva de Böhm-Bawerk está na teoria dos juros, por onde pode ser considerada hoje. Mas é uma análise dos dados imediatos da realidade. Por isso, é uma tautologia dizer que há uma objeção insuperável da análise histórica ao marginalismo. No campo da economia ortodoxa, as objeções ao estreitamento conceitual surgiram logo na década de 1950, com os trabalhos de autores como Harrod, Domar, Myrdal, Lindahl, Kalecki, numa macroeconomia sintética e com autores como André Marchal, que ligou a bifurcação entre macro e microeconomia à análise de sistemas dinâmicos. O menosprezo dos saxões pela teoria das demais nações, que foi ambígua em relação com os russos, mas que revelou sempre um atraso na leitura da teoria
[5], é outro fator que tem pesado como um modo de alienação da teoria dominante[6]. O argumento de empobrecimento cultural revela-se aqui em toda sua força. Salvo melhor juízo, a corrente central neoclássica é praticada por pessoas de pouco conhecimento teórico e grande destreza matemática. Esse é um modo e um caminho de alienação que deve ser sopesado, quando está em pauta a consistência material da teoria em vez da consistência formal dos modelos.

Teremos que ser muito cuidadosos em nossa leitura do processo geral de alienação no capitalismo tardio, porque estamos diante de um processo que atinge a sociedade do capital em seu conjunto, envolvendo diferentes condições de subalternização, começando por aquelas que envolvem as nações sócias menores da hegemonia e estendendo-se à alienação das elites dos países periféricos. A alienação não se explica em sistemas nacionais fechados porque se realiza em relação com movimentos previstos dos capitais específicos com sua internacionalidade, pelo que ela se torna sócia do capital financeiro tal como já foi sócia dos interesses industriais.

A alienação é o movimento que dá inicio à subalternidade. A subalternidade da análise econômica brasileira aos preceitos das grandes universidades norte-americanas revela outra dimensão desse problema, onde o empobrecimento teórico vem de mãos dadas com uma manifestação de alienação. A descontrução da esquerda no Brasil certamente se apóia na justificativa do discurso único na política econômica[7].
Na prática, hoje se vê à exaustão que a política contra a crise, tanto na esfera nacional como na internacional, se organiza como uma política de defesa do sistema financeiro internacionalizado, principalmente mediante apoio ao sistema bancário. O estoque de mágicas que ela tem a oferecer é pequeno e muito repetitivo.

Na teoria em seu conjunto já estava estabelecida a fratura entre os que vêm a atividade econômica como um processo que tende à crise e os que vêm as crises como eventos incidentais ou como desvios no funcionamento do sistema capitalista de produção. A grande crise de 1929 abalou a confiança na análise econômica e abriu caminho para a aceitação dos preceitos keynesianos, mas a história econômica e política escrita depois dela contribuiu para um reducionismo financeiro que passou para um segundo plano a problemática da articulação entre o sistema de produção e o sistema do financiamento.
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Esta grande crise econômica, que marca uma mudança no modo de acumulação na economia mundial com uma mudança no perfil da hegemonia norte-americana e do bloco hegemônico liderado pelos EUA, surge como uma crise interna do sistema financeiro, mas se alastra ao sistema produtivo e passa a modificar as condições de formação de capital e de distribuição da renda. Em sua progressão, a crise torna necessário reavaliar os mecanismos de produção social da crise, os mecanismos de difusão e os da política e econômica. Ao situar historicamente o conjunto dos processos que configuram o processo da crise, encontramo-nos na necessidade de retomar os fundamentos conceituais e de método da teoria dos ciclos econômicos e rever os fundamentos conceituais e analíticos da explicação da crise. Há condições para aceitar que esta crise é um incidente ou uma perturbação do sistema produtivo, ou será preciso tratá-la como parte de uma inflexão do sistema mundial de poder?

As crises econômicas aparecem como eventos que alteram as relações de produção e de consumo e que modificam as relações políticas e institucionais em geral. As crises são rupturas de modos habituais de reprodução do sistema de produção que deslocam expectativas, esgotam possibilidades e abrem novas oportunidades de formação de capital e de distribuição da renda. A crise que inspirou todo este trabalho e que não sabemos como terminará, é a que está associada ao declínio da hegemonia dos EUA, interposta entre os custos de sua sustentação e os da aliança básica que o sustenta. Os mecanismos da hegemonia não são somente financeiros nem muito menos, mas englobam as diversas relações de poder que ganham visibilidade através da emergência da esfera financeira. O poder ganho pelo sistema financeiro depende de sua aliança com o poder político e realizou uma operação fundamental de descaracterização dos papéis tradicionais das classes na acumulação industrial.
A crise revelou um limite interno no funcionamento do capital financeiro, que é dado por diferenças de comportamento dos detentores individuais de capital. As ações individuais refletem condições concretas de participação no mercado e condições de perceber o funcionamento do mercado. Logicamente, convivem percepções diferentes das condições de comercialização que prevalecem na esfera globalizada da economia de hoje.
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Tudo isso envolve um problema de método. Se vamos dar um tratamento científico à temática da crise, teremos que rever os fundamentos da teoria dos ciclos, que tratou as oscilações da atividade econômica como uma decorrência das condições da formação de capital. André Marchal cita duas classificações propostas por Ernest Wagemann para as indústrias, segundo sua densidade de capital e segundo a organização do sistema produtivo. Na prática, isto significa eliminar ou superar a divisão entre as abordagens de macro e microeconomia, passando a focalizar nas conexões entre esses dois níveis. Está claro que teremos que considerar a ligação entre as abordagens macro e microeconômica e com a composição de curto e longo prazo, portanto, de como as ações individuais das empresas se convertem em tendências gerais. A densidade de capital de que nos fala Wagemann não é outra coisa que a composição atual do capital de Marx, que logicamente terá que ser vista como em situações diferentes de um país a outro. Para nós, a questão da densidade de capital se coloca em termos da composição orgânica do capital considerado setor por setor, dadas as características limitativas do aumento da densidade de capital segundo as condições sociais e técnicas requeridas para incorporar tecnologia. Esta será, em todo caso, uma definição das condições de sensibilidade das diferentes economias nacionais à formação e ao desenvolvimento de movimentos cíclicos. O reconhecimento de que as diferenças estruturais entre economias nacionais são essenciais aos movimentos gerais dos ciclos obriga a rever a leitura monetário-financeira hoje prevalecente. Essa tem sido uma leitura formalista da forma financeira do capital, que abstrai seus aspectos culturais e institucionais, isto é, que não considera, por exemplo, o papel da especulação financeira que, a rigor, é a compra e venda de produtos que não foram produzidos, ou de formação de preços mediante falsas sinalizações de compra.

Não se trata apenas de uma quantidade de capital fictício senão do modo como a formação de operações sobre bases fictícias passa a representar as sinalizações de preços com que opera o sistema produtivo. Vemos que essa contaminação da produção pela não produção se torna a mola propulsora dos investimentos em atividades novas, em que é preciso desviar demanda de certa composição de consumo e onde não há criação de demanda. Pelo contrário, no ambiente da concentração de capital e desemprego tecnológico não há como pensar que o mercado se desloque através de ampliações de demanda na base do consumo. O sistema tende a operar segundo as pautas de demanda dos grupos de altas rendas
[8] e com a temporalidade do mercado financeiro integrado (Braga, 1998), que não necessariamente é percebida pela maior parte dos investidores individuais. Visões em falso da realidade do mercado levam a comportamentos essencialmente irracionais. O quesito da racionalidade é fundamental na determinação do comportamento do mercado, onde se combinam ações planejadas com ações intempestivas e onde a erraticidade de fato está sempre ligada a previsões sujeitas a margens de erro variáveis.

A crise ressalta a polaridade entre a esfera dos interesses individuais e a dos interesses coletivos, e com ela, dá novo significado à distinção entre a esfera pública e a esfera privada. Os interesses coletivos ficam identificados com a política econômica nacional, que finalmente se revela como representativa de interesses de classe. Com a ascensão do capital financeiro à posição de protagonista principal do poder econômico, configura-se um quadro de conflito em que Estados militantemente capitalistas, apesar de suas convicções, operam no sentido de desprivatizar, ou mesmo de estatizar instituições financeiras. Assim, em vez de focalizar na distinção entre público e privado, se passa a apontar às interpenetrações dos interesses da esfera pública e da esfera privada. As alterações na relação entre a esfera pública e a privada revelam-se em sua real complexidade, que transcende a esfera das receitas e das despesas e mesmo a do poder de regular o mercado. O verdadeiro poder do Estado na economia está em sua capacidade de escolher seu papel. Este hoje é o real fundamento da questão em torno da possibilidade de seguir uma política neoliberal ou de reconhecer quando e como o Estado escolhe um modo de intervenção na economia, que pode ir desde o financiamento de empresas deficitárias, o estabelecimento de prioridades de financiamento, o controle de instituições financeiras o controle de operações de monopolização de determinados mercados, ou mesmo a decisão de intervir para proteger os setores sociais mais desfavorecidos. A oportunidade da crise mundial mostra como os diversos governos nacionais escolhem políticas econômicas que representam a composição de forças políticas que representam.


Bibliografia

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[1] Alfred Marshall, Industry and Trade pp.1
[2] O foco da crítica de Dobb é à fundamentação de modelos sintéticos de crescimento que tomam como consensual a fundamentação prática da análise. A construção de modelos leva subsumidas polêmicas sobre conceitos e modos sociais de usos de conceitos. No ambiente da corrente keynesiana houve uma desqualificação de problemas ontológicos que permitiu ao próprio Keynes reduzir os trabalhadores à condição de consumidores. A premissa teórica que sustenta a propensão a consumir consiste em igualar todos que não são capitalistas e em presumir que todos eles são membros de uma classe média plástica que envolve a todos.
[3] Esses eventos isolados correspondem aos “fatos atômicos”de Wittgenstein. O fio condutor da afinidade entre esses autores é uma ontologia burguesa, cujo projeto de poder justifica o grande esforço feito por Lukács em mapear a ontologia de Hegel e de Marx.
[4] Em vez da opinião de Shackle, de que esses autores levaram o quadro keynesiano de análise ao limite, entendo que eles romperam com os preceitos de Keynes sem jamais terem admitido essa cisão.
[5] Considerar, por exemplo, as histórias de que Joan Robinson teria sido a primeira a valorizar o trabalho de Wicksell e de Kalecki e o mal disfarçado menosprezo dos acadêmicos brasileiros treinados nos EUA pelo trabalho teórico que se faz fora de seu horizonte imediato de leitura.
[6] A leitura da teoria econômica na perspectiva da teoria da alienação ganha um significado especial porque representa um questionamento dos fundamentos conceituais da teoria e não de sua instrumentalidade.
[7] A desconstrução tem bases históricas concretas e cabe ver a argumentação de Fernando Cardim de Carvalho(2005) quando contrasta os efeitos da corrupção em larga escala – diremos institucionalizada – e as prioridades de investimento.
[8] Por contraposição às pautas de demanda dos grupos de renda médias, deste modo inserindo rupturas na composição da demanda que terão repercussões finais na composição da produção segundo essa demanda das altas rendas é mais garantida que a dos grupos médios de renda.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

ENSAIO

ADMINISTRAR PROCESSOS POLÍTICOS CONFLITIVOS

Fernando Pedrão
[1]

“é preciso sempre distinguir entre a alteração material (...)das condições econômicas de produção e as formas jurídicas, políticas (...) em resumo as formas ideológicas pelas quais os homens tomam consciência deste conflito “Karl Marx


Um ponto de partida
As relações de poder carregam elementos de conflito que devem ser examinados, segundo eles se apresentam na sociedade periférica moderna. O estudo da combinação de conflito e ajuste demarca o campo de uma teoria da ação social, ou melhor, de uma teorização sobre o agir social que envolve práticas, instituições e modos de vida. Trata-se, portanto, de focalizar nos processos do poder e não nas pessoas que podem, eventualmente, deter frações de poder. No ambiente do processo moderno do capital, a identidade das pessoas surge de sua inserção no mundo do prático ativo, que identificamos por contraste com o prático inerte trabalhado conceitualmente por Jean Paul Sartre como expressão da praxis superada
[2]. Mas esse processo é o da crise de acumulação de capital, onde ocorrem modificações nas relações entre capital e trabalho, resultando em rupturas dos processos políticos com subversão de protagonismos.
Perante esse ambiente de acumulação sujeita a crise, nosso ponto de partida é a diferença que se encontra hoje entre a ciência social que reconhece o papel central do conflito de interesses na sociedade do capital e a que se propõe apenas a operacionalizar os interesses predominantes na esfera de cada nação. Os conflitos não são incidentais como as crises econômicas não são casuais. A suposição de um interesse nacional colocado acima de interesses materiais é uma premissa maravilhosa ao gosto do Absolutismo seiscentista de Richelieu e de Hobbes, que mostra porque ele foi absolutista. A formação da sociedade burguesa tornou necessário reconhecer relações de classe e o colonialismo obrigou a reconhecer as relações entre centro e periferia. Por isso, o discurso da ciência social européia não registrou o papel da colonização na formação das classes sociais. Com essas restrições, as ciências sociais oscilaram entre criatividade e operacionalidade, onde perderam rumo, tornaram-se serviçais do poder organizado, mas tiveram que voltar sobre seus passos para reconhecer a pluralidade do mundo social de hoje.
Este ponto de partida nos leva a tomar a visão histórica como divisor de águas entre as ciências sociais capazes de refletir a totalidade histórica real e as que se contentam com aspectos arbitrariamente escolhidos do mundo real. Tudo que é local é parte de uma totalidade que tampouco se resolve sem se materializar em regiões e cidades. O campo da administração se configura como o campo onde se gere o que já existe, portanto, é o campo da praxis inerte
[3]. Na linguagem kantiana é o campo do entendimento.
No campo da Economia Política essa divisão se converte em ruptura entre a teoria econômica derivada da análise da economia nacional e a teoria econômica do capital. Rejeitada pelo poder estabelecido, a Economia Política reaparece para ver como os interesses suplantam as neutralidades quando se trata da sobrevivência do poder. Frente a situações de conflito de interesse e situações de crise, reaparece um preceito fundamental da Economia Política que é a ligação entre as trocas e os interesses que as determinam, isto é, a relação orgânica entre a esfera do poder político e a do poder econômico.

Origens que se reproduzem
A percepção do conflito como eixo das relações econômicas e políticas se reporta à antiguidade e tem novas leituras atuais. Tratando dos conflitos sociais em Roma, León Bloch em texto memorável mostrou como a capacidade de exercer poder se dividia entre o poder do Senado para decretar guerra e o dos homens ricos para controlarem os ganhos da guerra
[4]. O mesmo já tinha acontecido na Atenas Clássica, no conflito entre a sustentação da democracia de Crítias e o aparecimento de um projeto imperial de Péricles. No Império Romano tardio, Adriano criou uma administração pública copiada do velho império persa Aquemênida, que foi mais tarde modernizada pelo Império Sassânida, e copiada pelo Império Bizantino que, em todas essas situações, gerou um poder estruturado em classes. A origem bizantina da administração moderna aparece nessa tendência a tomar os meios como fins. Na Espanha Islâmica, Al Mansur substituiu um califado aristocrático por um populismo militar esclarecido, antecipando o estilo de Napoleão I, alterando as posições de classe das etnias. Na Renascença, em seus Discursos, Nicolo Machiavelli retoma esse tema mostrando como o Senado pôde prolongar sua esfera de poder controlando a nomeação de cargos administrativos e descobrindo que se torna necessário contar com métodos administrativos compatíveis com a segurança do Estado[5]. O Império Britânico surgiu copiando o estilo de administração desenvolvido no Império Português e reproduzindo a política do Mare Nostrum com a Comunidade Britânica de Nações. Inútil procurar criatividade nesse processo. Nos Tempos Modernos vamos encontrar Napoleão I criando um estilo de administração pública apoiado numa concepção de educação[6], e, logo a seguir, com a consolidação do Império Britânico, nos deparamos com Thomas Macaulay propondo um estilo de educação para a elite inglesa administrar o Império. A seu modo, os norte-americanos desenvolvem uma política de educação para sustentação de seu grande projeto imperial, com iniciativas previsoras de fortalecer suas universidades[7] e de usar a cooperação internacional como fator de cooptação das elites de outros países. Estágios, intercâmbio etc., tal como os faraós faziam com os semitas. Definem um estilo de universidades com forte acento em pesquisas empíricas e num estilo pragmático de ensino que funciona como bloqueador de contradições e de dissidências. Ciência política construída a serviço da ordem e operacionalizada mediante modelos comportamentais onde os comportamentos são mecanicamente racionais e invariantes etc. Uma universidade liquefeita dividida entre o ensino de generalidades para a maioria e ensinos coisificados de materiais peritos para segmentos seletos de operadores do sistema. O sentido pejorativo do termo perito, ressaltado por Anthony Giddens, torna-se claro nesse contexto. O perito é sempre um observador externo sem motivações ideológicas. Em sua forma mais pura é o personagem de Max Frisch, que simplesmente declara que não é Stiller[8].
Esse estilo foi desenvolvido com mais rapidez na Alemanha de Bismarck por Von Rathenau, que veio a ser o pioneiro da incorporação da tecnologia à pedagogia. A sacralização da tecnologia tornar-se-ia um argumento decisivo para excluir a vertente crítica do aprendizado e criar o autoritarismo velado do pragmatismo. Não se estudam processos e estruturações sociais, estudam-se casos, que são situações isoladas que não se reproduzem, que não fundamentam generalizações. Os estudos de caso são a negação da ciência social e confundem análise aplicada com pesquisa laboratorial. É um passo decisivo no caminho da biologização do mundo social
[9].
Em seu cerne, a opção pela modernização, como movimento necessário à sobrevivência política das nações, estabelece quais conhecimentos são “úteis” e quais devem ser processados com a maior rapidez possível e ao menor custo social. O utilitarismo se torna um reducionismo da complexidade do campo social que associa virtude a sentido prático e passa a olhar com suspeita todo intento teórico. A inutilidade do pensamento abstrato, por antecipação, cerceia toda possibilidade de crítica da ordem estabelecida. A visão do utilitarismo de Bentham combina a função social de utilidade com a preferência individual pela combinação de riqueza e conforto. O conforto feliz dos indivíduos que são integrados na ordem política. Na verdade, como demonstrou Marx, o capitalista individual está preso numa engrenagem de luta pela mais valia e pela sustentação de sua participação em mercados que perdem impulso e onde a concorrência é modificada pela concentração do capital. A versão norte-americana do pragmatismo – Dewey, James etc - pretende ter status de filosofia e funciona como fator de homogeneização dentro do espaço do Império. Politicamente, é uma excelente ferramenta de controle social, que permite decidir o que deve ser ensinado, o que vale a pena aprender e o que pode ser impunemente ignorado, ao construir uma linguagem analítica baseada em individualismo e formalismo. Essa perspectiva imediatista torna-se um instrumento eficaz para criar uma ignorância socialmente legitimada. O utilitarismo torna-se uma pseudo-filosofia das práticas administrativas, que descarta as inter-relações entre seqüências de ações, progressões de conhecimento e conflitos de interesse. As relações de classe ficam diluídas atrás de situações técnicas.
Na modernização avançada ou na alta modernidade, como fraseia Giddens, (1991), surge uma contradição entre o suposto implícito de ações individuais que podem se repetir indefinidamente e as condições ambiente para essas ações, onde se encontram os elementos de rupturas entre padrões de tecnologia e padrões de comportamento. A diferença entre repetição e inovação responde pela capacidade de registrar como a realidade social consiste em repetições ou registra novidades que devem ser reconhecidas e processadas. Acontece que o simplismo mecanicista da análise econômica da indústria regida pelos padrões da segunda revolução industrial não consegue registrar a combinação de continuidade e rupturas e trata a administração como um processo contínuo. A antropologia trouxe temas tais como identidade e cultura, que obrigam a reclassificar os resultados daquela análise econômica superficialmente complexa do formalismo neoclássico, para uma análise reflexiva, capaz de recuperar elementos de experiência exatamente do mesmo modo como se trazem peças arqueológicas a novos usos. Nada como fazer chá em porcelanas da dinastia Ming. A lembrança de Foucault nessa garimpagem de elementos culturais e técnicos é obrigatória. Vemos como a problemática da subjetividade tem que ser administrada com um sentido de atualidade, para não cair na tentação das soluções individuais e da redução de tudo ao cotidiano, tal como ficaríamos em mundo maffesolistico
[10].
Há situações variáveis de poder e condições constantes para o exercício desse poder e a visão em perspectiva histórica mostra que há um princípio ancestral de poder que se reproduz nas formas mais complexas da economia e da política. No ambiente da modernidade construída como meio do poder da burguesia ascendente estabeleceu-se uma presunção de que os componentes constantes superam os variáveis e que o sistema socioprodutivo opera com confiança suficiente para sustentar previsões de mercado também suficientes para garantir rumos compatíveis com a reprodução do capital acumulado. Noutras palavras, a administração positiva da hegemonia excluiu a incerteza e baniu os conflitos de classe. A crise da bolsa em 1929 trouxe uma nova visão de que o sistema é essencialmente instável e demanda algum tipo de controle. Criava-se aí uma nova relação entre Estado e governo que estaria por trás das grandes opções entre políticas de planejamento e políticas de livre mercado. O fundamento de relações de classe na configuração operacional do Estado seria o tema por excelência das pesquisas de Althusser e de Poulantzas, que trabalhariam com as condições de administração inerentes à estruturação em classes do Estado moderno. Esta nova crise em marcha, da esfera globalizada, mostra a rejeição dos países líderes a reconhecerem os processos históricos da formação das crises e sua insistência em tratá-las como eventos incidentais. Frente à crise atual, em momento algum se fala do peso das despesas militares nem se reconhece que o endividamento do centro hegemônico é um fator determinante de crise. O custo social do poder é um dado central da questão que se obstinam em ignorar, mas que marca o que há de novo e o que há de velho nesta crise econômica que também é uma crise da hegemonia. Os estados nacionais mais recalcitrantes neoliberais, saxões e outros ad lateri, passam a propor que o Tesouro norte-americano passe a fazer parte de bancos privados.
Na esfera da modernidade capitalista essa linha de tensão resultou, primeiro, no confronto entre o planejamento direto do lado socialista e o indireto, de inspiração keynesiana. O verdadeiro perfil mundial do problema surgiria nas diferenciações entre o grupo das nações mais ricas e o das mais pobres e entre as nações com economias ascendentes e as nações com economias estagnadas. A perspectiva keynesiana está representada pelas contribuições de Nicolas Kaldor, pelos aspectos de política tributária e pelos aspectos de distribuição da renda, que já foi objeto de trabalhos meus anteriores
[11] e de Anibal Pinto[12], quando pensávamos ser possível uma ressurreição pós-ricardiana marxista. Nos anos seguintes, a revelação do fundamento conservador desse neo-ricardianismo, alinhado com os neo-keynesianos monetaristas, mostrou a futilidade dessa tentativa.

Contradições nas desigualdades
O aparecimento de teorias do desenvolvimento revelou a distância entre a problemática de governo nos países centrais e nos periféricos, entre administrar para manter padrões já alcançados de tecnologia e conforto e administrar para sustentar uma transformação de uma economia em expansão onde viabilizar a substituição de padrões de tecnologia e de liberdade. A concepção de condução das economias nacionais previa um ministério do interior, um ministério da fazenda e um ministério da justiça. A introdução de ministérios técnicos e de órgãos especializados é um sinal do reconhecimento de que o governo deve ser o meio de transformação operacional do Estado.
Os problemas de uma administração pública centrada em desenvolvimento econômico passaram por uma revisão profunda com as experiências acumuladas no Instituto de Planejamento Econômico e Social ligado à CEPAL, que publicou diversos estudos sobre o tema da administração para o desenvolvimento, seguindo a filosofia básica das Nações Unidas, de considerar que a chamada administração para o desenvolvimento representava uma opção pela modernização dos sistemas institucionais e uma democratização das decisões. Essa seria a perspectiva de uma teoria da ação social pública, onde o Estado como tal não é questionado, e onde se vê o governo por sua operacionalidade, como entidade delegada. Frente a ela cabe formar uma visão crítica sobre duas bases. Primeiro com um critério de eficiência filtrado por um critério de justiça social. Depois, com um critério de eficiência compatível com o crescimento da economia. A adoção desses critérios desqualifica a noção microeconômica de eficiência pura, entendida como uma maximização de lucros e uma minimização de custos.
A compreensão de que a ação do Estado tem um peso em direcionar o crescimento da economia dá um significado especial à análise da economia do governo – já então apelidado de setor público – onde a política fiscal teria que ser avaliada sobre um critério de desempenho em períodos longos. Este foi o grande salto da análise keynesiana como ferramenta da explicação da formação de capital, onde se destacou a contribuição de Alvin Hansen, explorando a relação entre a teoria monetária e as políticas fiscais para o controle cíclico e para o desenvolvimento econômico
[13]. A reviravolta neoclássica, que representou o abandono dessas pesquisas sobre o longo prazo, deixou em aberto um problema de ajuste em curto prazo de movimentos que são partes de tendências de longa duração. Essa dificuldade ficou patenteada quando se perfilaram propostas do chamado do planejamento a curto prazo, que foi incorporado ao arsenal da análise do desenvolvimento econômico, identificando-se, entretanto, como o que Giddens denomina de sistema perito, isto é, uma proposta de arcabouço técnico sem ideologia. O dito planejamento a curto prazo foi adotado inclusive pela própria CEPAL[14] e tornou-se uma bandeira do planejamento instrumental empobrecido que se reproduziu nas versões de planejamento estadual condicionado por orçamentos anuais.
Toda essa investida resultaria no reconhecimento de diferenças estruturais entre o tratamento da coisa pública como um atributo da república, ou em condições de indeterminação da forma de governo, ou ainda, sem considerar os conflitos de interesses que se realizam no interior do processo político da república. Os condicionantes históricos do sistema formal de poder, finalmente, foram responsáveis da não operacionalidade do planejamento econômico formal, cujo fracasso deu lugar ao empobrecimento do planejamento enquanto prática de governo. Na perspectiva de Marx a administração é sempre um exercício de defesa de interesses da composição de poder liderada pela burguesia, do mesmo modo como a análise econômica acrítica do marginalismo. Será sempre um exercício de busca de eficiência interna do sistema produtivo, que deve conviver com as conseqüências da concentração de capital e da desigualdade de renda. No Brasil, as incursões no rumo de uma mobilização da modernização através da administração, em que houve tentativas significativas de Rômulo Almeida
[15] e de Celso Furtado no planejamento estadual e no regional, chocaram-se sempre com problemas de fragmentação do sistema de decisões no Estado, que refletem, justamente, a pluralidade e os conflitos de poder que são transferidos para a esfera pública. Em lugar de princípios gerais e de uma lógica formal da administração, trata-se de identificar requisitos e necessidades historicamente determinados de racionalidade, onde se registram as condições históricas do sistema de poder político e econômico. Finalmente, o administrador não é um ente de razão kantiano, nem é um tipo ideal, mas é um operador de uma determinada estruturação de poder, da qual pode ser consciente ou não.

Megido, Armagedon ou a Comuna de Paris?
A centralidade do conflito leva a um conflito principal que define a ordem do poder, a uma disputa que destrói as oportunidades de um poder organizado, ou leva a um confronto revelador das contradições de classe? Megido foi uma luta entre príncipes. O Armagedon é o pesadelo arturiano do fim da monarquia que se confunde com o fim de uma aristocracia do fim do mundo. Mas a Comuna de Paris foi o limite máximo até onde chegaram as pretensões do proletariado urbano de chegar a um mundo internamente dirigido. A Comuna tinha que ser esmagada porque representava uma possiblidade organizativa real dos trabalhadores. Entre nós a grande greve baiana de 1919 tinha que ser derrotada por razões ainda mais profundas, porque representava uma aliança entre operários da indústria e trabalhadores do sistema produtivo pré-industrial e da sociedade pós-escravista
[16]. A revelação do substrato de conflito nos processos políticos modernos identifica grandes opções no tratamento da coisa pública que situam os problemas de administração no campo de uma teoria da ação social historicamente situada. Não nos interessa a visão bíblica de conflito que permite resvalar pela biologização do mundo social que descaracteriza os fundamentos coletivos. Em vez de lutas de identidade dos migrantes mexicanos, a família Sanchez entronizada como objeto de uma antropologia do mundo multi-étnico norte-americano[17]. Interessa o papel das contradições de interesse historicamente situadas. Contra a positivização da administração pública colocam-se as críticas da razão instrumental posta diante da razão dialógica (Habermas, 1987) e as críticas da exclusão dos fundamentos de poder na identificação do sujeito moderno (Foucault, 2004). A reflexividade da visão contemporânea, trabalhada por Giddens, Beck e vários outros, significa na prática que a ação social se faz sobre uma critica permanente de estruturas de conhecimento e de ações pretéritas, estabelecendo um diferencial significativo com a visão positivista e instrumental da administração imediata da coisa pública. A legitimação da administração surgirá de sua capacidade de construir uma visão crítica do real atual. A atualidade do real é um principio fundamental do racional em Hegel, para quem a historicidade das estruturas é um dado indiscutível da reconstrução conceitual do mundo. A positivização desse processo de conhecer tem que ser denunciada como o movimento que desmonta a historicidade do mundo social. Mas a positivização, de Nagel a Popper, não oferece nada que substitua o fundamento das relações de classe. Simplesmente teoriza sobre racionalidade do individuo sem se envolver com as condições sociais da individualidade.
Todos esses movimentos da teoria reabriram uma velha ferida dos estudos sociais, que é a futilidade de propostas explicativas destituídas de significado como teorias da ação social. No mundo da dominação pós-colonial aparecem relações de poder interligadas, que compreendem a hegemonia militar, industrial e financeira junto com a atualização de formas tradicionais de poder, que se infiltram na estrutura política e na das empresas. A análise do conflito torna-se, também, uma análise das composições fisiológicas de interesses que convertem os conflitos de interesses em organizações corporativas, operando com articulação vertical entre as esferas locais e as internacionais. Finalmente, a análise do conflito obriga a esclarecer entre quem e quem ele acontece, pelo que abre questão no relativo a identidade, participação etc. Na sociedade da modernização desigual os conflitos se configuram na desigualdade, determinando, por exemplo, as imensas dificuldades de tratar com os conflitos das grandes cidades. A dialética do conflito torna-se a principal referência desta economia política aplicada.

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Notas
[1] Diretor Geral do Instituto de Pesquisas Sociais, professor da Universidade Salvador
[2] Jean Paul Sarte, Critique de la raison dialectique, (1960)
[3] Cabe referir a análise de José Artur Giannotti sobre esse ponto específico em seu Trabalho e reflexão (1983), que é um discurso antecipatório do debate sobre a reflexividade.
[4] Tacitamente trata-se de um consenso não formalizado, mas as vitórias que rendiam saques para os exércitos abriam o caminho para linhas de comércio cujos lucros formariam os novos homens ricos do Império.
[5] Em boa hora Stuart Schwartz produziu um estudo sobre o papel da burocracia legal na construção do processo colonial no Brasil.
[6] Refere-se à criação do Instituto Politécnico como matriz de um conhecimento incorporado com tecnologia.
[7] É interessante observar como o fortalecimento de universidades foi um objetivo prioritário do general Ulisses Grant quando se tornou presidente da república.
[8] Max Frisch, No soy Stiller (1958)
[9] Ver artigo de Robert Kurz sobre este tema.
[10] Trata-se de uma tendência que encontramos em vários autores, especialmente em Giddens, cuja trajetória incluiu um trabalho primordial sobre a estrutura de classes no capitalismo avançado, mas que se voltou mais para as condições de subjetividade no mundo globalizado. O exemplo de Giddens reflete uma tendência dessa alta modernidade de se fechar em seu próprio círculo de reprodução. A mais recente informação sobre um aumento das dificuldades para casamentos de franceses com estrangeiros mostra como o fechamento do mundo europeu é uma opção cultural e política.
[11] A distribuição da renda e o desenvolvimento econômico (1964)
[12] Distribuição da renda na América Latina e desenvolvimento (1976)
[13] Nesse debate tem lugar especial o Teoria monetária e política fiscal (1954), que precedeu os trabalhos de Abba Lerner e de Nicholas Kaldor, no campo keynesiano e de Michal Kalecki no campo marxista.
[14] Nos anos 70 trabalhos de Jorge Israel, Dardo Segredo e outros, defendiam as vantagens do planejamento a curto prazo para resolver ajustes conjunturais e superar desajustes em orçamentos. As práticas do Ministerio do Planejamento no Brasil na década seguinte, promovidas por Bresser Pereira e seus seguidores acompanharam essa tendência.
[15] Em 1956 Rômulo Almeida então Secretário da Fazenda da Bahia, realizou um programa de modernização da administração pública, com a introdução dos orçamentos por programa, entendendo que a modernização do aparelho governamental seria o primeiro passo para um planejamento econômico e social do desenvolvimento.
[16] O estudo de Aldrin Castellucci (2004) sobre esse evento é um marco da revelação da história verdadeira, contraposta à história oficial narrativa das peripécias dos senhores de engenho.
[17] Arthur Lewis (1964)