terça-feira, 23 de setembro de 2008

PALESTRA

A INSERÇÃO INTERNACIONAL DA INDÚSTRIA BRASILEIRA


Uma reavaliação da inserção internacional
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A atual crise financeira do capitalismo central obriga a reconsiderar o significado da unicidade do mundo do grande capital e a questionar a solidez da reprodução das economias ocidentais. Qual é o sentido de finalidade desta política anticíclica de curto prazo e improvisada? É a salvaguarda do mundo financeiro ou é uma proteção do sistema produtivo que foi atingido por ela? Quanto o sistema do capital está disposto a se sacrificar em beneficio do capital especulativo bancário? Essa unidade já vinha sendo questionada por autores que argúem que o mundo do grande capital é um mosaico de peças interdependentes, onde a hegemonia é uma situação desgastada, cujo custo crescente se vê na conta do petróleo. A reviravolta partida de uma crise do setor imobiliário norte-americano, na verdade refere-se a problemas mais profundos, dos custos da hegemonia militar, que se vêm na conta de energia. Não há como ignorar que os furacões revelaram certa vulnerabilidade que se tornou tema dos candidatos à presidência dos EEUU.

A inserção internacional não é um tema consensual nem mesmo entre os maiores interessados no processo de globalização, já que hoje inserção não é mais sinônimo de controle. Há um desgaste operacional da hegemonia, indicado pela crise financeira que se prolonga, que pôde ser parcialmente prevista, mas cujos verdadeiros contornos tornaram-se uma surpresa.

Há uma carga ideológica no relativo à inserção internacional, que não pode ser ignorada. Como diz Gilberto Dupas, “o discurso hegemônico sobre os benefícios da inserção no mercado global desenvolveu-se para dar apoio àquela necessidade das corporações internacionais de ampliarem seu mercado e sua produção”
[1] Diremos que os benefícios e a inevitabilidade da inserção passaram a ser questionados pelo que se passou a denominar de fim da ocidentalização ou de desenvolvimento transposto[2], que é uma linguagem do mundo islâmico rico. Para países emergentes, como o Brasil, é um dado da atualidade, mas que tem que ser administrado.

Hoje, que é essa inserção? Há os aspectos práticos imediatos relativos a que podem as empresas fazer para se inserirem no mercado internacional; e há os aspectos políticos e financeiros desse movimento. São argumentos externos e internos, que não se substituem, mas que se completam. A questão principal refere-se aos aspectos sistêmicos gerais. O resto são problemas particulares de comércio, que devem ser resolvidos segundo as dimensões do mercado de cada país e segundo sua capacidade de pagar sua conta de energia. Inserção internacional para o Brasil, para o Chile e para a China é uma questão completamente diferente, que a economia ortodoxa não responde.

Esse tema, que surgiu no fim dos anos 80, ficou na berlinda com o novo quadro de crescimentos nacionais na economia mundial, onde os três maiores crescimentos não são “ocidentais” e onde o Japão e a Europa ocidental configuram um quadro de semi-estagnação crônica. Torna-se inevitável pensar quanto a Europa ocidental e o Japão são importantes para a economia norte-americana e quanto a economia dos EEUU é importante para eles. Não é por acaso que as atenções dos norte-americanos se voltaram para a China, que também recebe a maior parte dos investimentos do Japão no exterior.

Na leitura que se faz hoje desse tema, necessariamente, é preciso considerar os aspectos políticos e institucionais e não só os da mecânica econômica. O modo e a forma da inserção internacional configuram uma relação de poder que se materializa nas relações de governo e nas da esfera privada. Essa relação de poder se exerce sobre transações e sobre fluxos de capital, com grandes movimentos. Como e de que modo ao Brasil convém inserção e qual inserção.

Nas condições de hoje, distinguimos que há uma inserção aparente, que é dada pelas cifras de variações dos negócios e outras que é definida pelo controle do capital, que aparece através da penetração de capitais internacionais em setores da produção. Inserção será um problema de geopolítica e não só de economia de mercado. Se a inserção se dá mediante exportações de celulose e de níquel externamente controladas, será apenas uma inserção aparente.

Alguns questionamentos iniciais
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As transformações da produção industrial que se acentuaram em grandes movimentos desde a década de 70, e, mais claramente, desde o início da década de 90, representam um desafio à análise econômica e às políticas de desenvolvimento que vêm sendo apresentadas como únicas possibilidades. Nesse período acentuou-se uma polarização entre a concentração de capital nos grandes conglomerados e o deslocamento da capacidade financeira, que giram em torno de um fato central da economia mundial, que é o jogo de posições das economias nacionais. Quais são as economias nacionais que se expandem, quais as que se mantêm e quais as que enfrentam dificuldades crescentes para se manterem? Vamos alinhar alguns dados fundamentais da realidade e vamos apresentar uma visão de critica interna da análise industrial vigente. Sobre esses elementos correremos os riscos de adiantar alguns comentários sobre o tema proposto para esta palestra.
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A realidade econômica como processo
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A tese básica que vamos seguir é que a produção industrial vai ao encontro dos mercados que se expandem, isto é, que há uma diferença entre as previsões de expansão de mercado de 1980 e as de hoje. Em caso algum conhecido é fruto apenas de iniciativas isoladas de empresas. Tigres asiáticos sempre foram cevados com políticas protecionistas disfarçadas. Sempre há uma cobertura de política industrial, que é o componente de que se sente falta no Brasil. Como mostraram Suzigan e Furtado (2005), os elementos de antagonismo entre as políticas de equilíbrio e as de desenvolvimento de fato se tornaram fatores de favorecimento ao enriquecimento dos bancos mas não ao fortalecimento do sistema produtivo. A expansão dos mercados é uma linha geral da expansão mundial do capital que só tem favorecido nações que têm políticas industriais ativas.

Hoje a expansão do mercado mundial depende das economias que crescem mais que são a China, a Rússia e a Índia. A Europa ocidental e o Japão são economias capitalizadas e estagnadas e os EEUU enfrentam custos crescentes para manterem sua liderança. A internacionalização do grande capital encobre um esgotamento dos modos de formação de capital que tinham se organizado na década de 1960. O panorama de produção e uso de energia revela-se como principal referência desse novo quadro mundializado. Justamente, a análise da mundialização através da perspectiva financeira fica deslocada na medida em que se vê que a movimentação financeira não se realiza por separado da expansão ou da contração dos mercados.

Essa mudança do padrão de acumulação de capital na economia mundializada que confirma vaticínios de alguns autores, tais como Mendel, Steindl e outros e mostra a falência da análise marginalista que se tornou ortodoxa. Torna-se necessário substituir a velha análise setorial montada sobre dados de estabelecimentos por uma análise de decisões de empresas, que combina os aspectos de análise estrutural com os de análise de decisões públicas e privadas. Pela mesma razão, é necessário trabalhar com um conceito limitativo de indústria, que exclui a produção artesanal e distingue os processos produtivos. No relativo à situação do Brasil há certos antagonismos entre a defesa do equilíbrio macroeconômico e a política industrial e que levam a rever o papel da política industrial na atual política econômica.
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As condições de mercado e as possibilidades da indústria
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A avaliação da inserção da indústria brasileira no mundo internacional passa pela visão da própria economia mundial. A tese de que a ocidentalização do mundo acabou pode ser contestada, mas não pode ser negada. Em grandes linhas, o mercado mundial muda segundo as tendências do grande capital suguem a demanda que se concentra, que se expande e que muda de composição. A industrialização foi induzida pela expansão do mercado norte-americano, que foi o fundamento da expansão da economia alemã e da japonesa. Essa expansão se fez sobre um movimento geral de concentração de mercado, em que a maior parte das transações acontece através de um número menor de empresas. Esse tipo de expansão terminou, e pode ser visto no fato de que a economia norte-americana procura ganhar com a expansão da economia chinesa tal como Os dados globais de expansão da demanda mundial são qualificados por esses outros dois dados: correspondem à demanda de poucos países e às operações de poucas empresas. A China cresce comprando matérias primas e energéticos de outros países, em um modelo nacional de substituição de insumos, que foi criticado no Brasil, antes que se visse a relação entre substituição de importações e substituição de exportações e antes que se reconhecessem as dificuldades para incorporar a dinâmica entre os dois[3]. Observe-se que uns 80% das exportações originadas no Brasil são realizadas por umas 400 empresas.

Esta avaliação crítica da demanda é um argumento fundamental da análise de hoje, quando se tornam irreversíveis as diferenças entre as nações cujo mercado se expande e as nações cujo mercado ficou estagnado. A ironia da história é que são bancos das economias estagnadas ricas que se dispõem a comprar os bancos especuladores norte-americanos. Como os bancos se tornaram as instituições mais lucrativas do capitalismo avançado, o capital especulativo passou a considerar-se auto-suficiente e fomos convidados a crer que as instituições financeiras podem mover o capital por separado da esfera produtiva, isto é, que o risco sistêmico fica confinado aos usos de dinheiro das demais empresas e dos consumidores. A experiência mostrou que isso não é verdade, desde as crises financeiras dos 80. A vulnerabilidade do sistema financeiro ficou evidenciada justamente no centro financeiro da economia mundial, quando o governo norte-americano precisou socorrer as empresas aéreas em 2001 e agora, quando realizou a maior operação de salvamento no setor imobiliário. Pela simples razão que o sistema financeiro não cria demanda. A crise já vem de longe com a acumulação de dividas insolventes, com os custos da máquina militar e com o tiro de misericórdia dos furacões no Golfo do México.

Este é um ponto cuja análise terá que ser reaberta. É um tema que foi tratado por autores consagrados, como Schumpeter e Stiglitz, mas que tem sido ignorado pela economia ortodoxa. O enriquecimento bancário em si está constituído de capital fictício, como denominava Marx. E as compras geradas pela guerra obrigaram a certas linhas de produção que não sustentaram a demanda interna. Estamos diante de um tipo de crise que obrigou o governo mais liberal a agir como intervencionista
[4]. A ironia da história é que a economia norte-americana continua sendo a maior massa de demanda do mundo e continuará a ser, enquanto os países e grupos que têm poder de compra preferirem investir no mercado norte-americano, ou precisarem investir nela. Esse fato aparece de diferentes modos para os países que têm a capacidade de direcionar seus investimentos, como a China e o Iran, e para os que dependem de decisões individuais. Tornaram-se determinantes da política norte-americana de proteção do sistema, que passa a definir objetivos de segurança antes que objetivos de crescimento e de formação de capital.


Bibliografia
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FLEURI, M>T>,FLEURY, A. (org.), Politica industrial 2, São Paulo, Publifolha, 2004.
GILPIN, Robert, O desafio do capitalismo global, São Paulo, Record, 2000.
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro, Quinhentos anos de periferia, Porto Alegre, UFRGS, 2002.
KUPFER, D.,HASENCLEVER,L., Economia industrial, Rio de Janeiro, Campus, 2002.
NELSON, Richard, As fontes do crescimento econômico, Campinas, Unicamp, 2006.
PAULA, João Vicente de (org.) Adeus ao desenvolvimento, Belo Horizonte, Autêntica, 2005.
SILVA, Heloisa Conceição Barbosa, Da substituição de importações à substituição de exportações, Porto Alegre, UFRGS, 2002.
ZAOAL, Hassan, Globalização e diversidade cultural, São Paulo, Cortez,2003.
[1] Gilberto Dupas, O impasse do valor adicionado local e as políticas de desenvolvimento, 2004
[2] Hassan Zaoual, Globalização e diversidade cultural, 2003.
[3] Ver o trabalho de Heloisa C.B. da Silva sobre o mecanismo de substituição.
[4] Hoje, 19/9 o presidente Bush declara que a intervenção no mercado é necessária.
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palestra proferida na FIEB, em 23 de setembro de 2009